Família pede respostas e justiça por adolescente morto há 1 mês pela PM no Pará: ‘Perdi um pedaço da minha vida. Dá vontade de gritar’, diz mãe

Davi Silva tinha 16 anos e sonhava ser militar da Marinha. Segundo testemunhas, ele foi morto a tiros pela PM. Pais reclamam da abordagem violência, de mentiras e falta de socorro adequado. Familiares e amigos fazem terceira caminhada pedindo justiça
Lissa de Alexandria/ g1
A Polícia Civil investiga a morte de Davi Silva, adolescente de 16 anos, no bairro Distrito Industrial, em Ananindeua, na Região Metropolitana de Belém. Segundo a família, ele foi morto por policiais militares em 25 de outubro após sair de uma sorveteria, a cerca de um quilômetro da sua casa.
Esta semana a morte completa 1 mês e os pais do jovem pedem respostas e justiça. O adolescente sonhava em ser militar da Marinha e pretendia fazer prova da PM como teste.
“Perdi um pedaço muito grande da minha vida. Como mãe, suplico à Justiça, quero uma justiça limpa. Meu filho pediu para chamar o pai, preferiram o dedo no gatilho do que uma ligação e é isso que me corrói por dentro e me dá vontade de gritar, porque eu não vou ter o meu filho de volta”, desabafa a mãe.
Uma caminhada entre a casa da família e o local da morte do adolescente foi realizado por familiares e amigos com faixas, cartazes clamando por justiça. Orações também foram realizadas e um mural foi grafitado em homenagem a Davi em muro.
O g1 acompanhou essas homenagens e conversou com Marcelo Magalhães e Sueidy Pena, pai e mãe de Davi. Além da abordagem que matou Davi, os pais reclamam da falta de socorro adequado prestado pelos militares ao jovem ferido – veja mais abaixo.
Caminhada pede justiça após morte de adolescente em Ananindeua, no Pará
Lissa de Alexandria/ g1
Segundo a família, policiais chegaram a dizer que houve perseguição com troca de tiros que resultaram na morte do adolescente. No entanto, os pais negam e contestam a participação de Davi em qualquer tipo de crime.
O g1 procurou a Secretaria de Segurança Pública, a Polícia Militar e o Ministério Público, mas não teve retorno.
Pais foram à delegacia, mas souberam de morte por parentes
Na tarde de quarta-feira, 25 de outubro, Davi chamou um mototaxista para levá-lo até uma sorveteria no bairro Águas Brancas, também em Ananindeua, local onde trabalhava, para reaver um valor pendente junto ao antigo patrão.
A família de Davi possui lojas no comércio do Distrito Industrial e o mototaxista realizava entregas por meio do serviço de delivery.
Ao chegar em casa, após o trabalho, o pai de Davi, Marcelo Magalhães, recebeu uma ligação da esposa do mototaxista procurando pelo marido. Ela estava aflita, de acordo com Marcelo.
“Recebi uma ligação de uma pessoa que se identificou como escrivã e disse para ir à seccional da Cidade Nova. Ela informou que meu filho estava lá. Quando cheguei à delegacia, recebi a notícia que meu filho havia sido encaminhado para o Hospital Metropolitano. Houve uma desinformação por parte desta autoridade policial, não sei com qual intenção”, relata Magalhães.
Ainda de acordo com o pai da vítima, havia várias viaturas e pessoas na delegacia, e alguém falou as características de uma pessoa que havia morrido.
“Neste momento ficamos sem chão e retornamos para casa. Não nos falaram nada na delegacia. Acionamos a assessoria jurídica e iniciamos o processo do sepultamento”, conta Marcelo.
Ele e Sueidy receberam a confirmação da morte de Davi por parentes próximos, que foram até o Hospital Metropolitano e reconheceram o corpo do adolescente.
Baleado na moto indo para casa
O pai de Davi diz que há imagens do circuito de segurança que mostram o adolescente caminhando normalmente até o mototaxista depois que saiu da sorveteira.
“Falam que houve um assalto e a Polícia diz que houve perseguição e troca de tiros, sendo que não há uma imagem que comprove isso, em nenhuma imagem há o meu filho com uma arma na mão. O que para gente é ainda mais estranho: como acusam meu filho disso no próprio lugar onde ele havia trabalhado?”, questiona o pai.
Pai de adolescente morto pela PM em Ananindeua exige justiça
A mãe de Davi relata que o caso foi noticiado como suposta perseguição após um assalto, o que, segundo ela, “se contradiz nos áudios e vídeos de testemunhas, onde os dois homens abordados não oferecem qualquer resistência e ainda assim, um deles, o menor, é executado no chão”.
Testemunhas que viram a abordagem policial disseram aos pais de Davi que antes mesmo da viatura parar, houve o disparo de uma arma de fogo, tiro que pegou na altura da costela de Davi.
Ainda segundo as testemunhas, o mototaxista pôs as mãos para cima, enquanto Davi estava com as mãos em uma das costelas, e acabou caindo no chão. Ele recebeu mais três disparos. Uma das pernas e o peito do adolescente foram atingidos.
“Em vez de levarem meu filho para a UPA, aguardaram várias guarnições da PM chegarem para criar uma situação porque perceberam que era uma rapaz menor de idade. Fizeram a implantação de armas e ainda pegaram um caminho totalmente diferente do qual seria da UPA”, afirma o pai.
“A guarnição não era da aqui, era do Júlia Seffer [conjunto residencial localizado no bairro Águas Lindas, também em Ananindeua] do 30º Batalhão, e ainda parou em um posto de gasolina para perguntar onde era a UPA, o que dificultou ainda mais o socorro. A gente sabe que procedimento com tiro e fratura é no Metropolitano”, conta o pai de Davi.
Na Unidade de Pronto Atendimento, outras testemunhas disseram que Davi ainda estava vivo e chamava pelo pai. No local, essas pessoas escutaram a informação de que “havia sido engano” da PM, em relação à pessoa abordada.
“Ele sabia o pai que tem e que eu poderia ajudar de alguma forma. Mas não tivemos esse privilégio”, lamenta o pai.
De acordo com os pais de Davi, foram apresentados na delegacia os celulares do mototaxista e do adolescente, o dinheiro das corridas feitas pelo motociclista e um cartão bancário também do piloto da moto, além de duas armas, que, de acordo com eles, uma era de brinquedo e a outra não havia gatilho. O mototaxista depôs e foi liberado. Ele não possui passagem pela Polícia. Davi também não tinha, segundo a família.
“Nem o adolescente, nem o mototaxista tinham passagem pela polícia, ainda assim, o Tenente-Coronel se manifestou na TV aberta, em vários canais, confirmando o suposto assalto, perseguição e troca de tiros, que jamais existiram. O que se viu, segundo as testemunhas, foi a moto parar de imediato quando da abordagem policial e na sequência vários disparos com o menor rendido, inclusive já deitado no chão. No corpo do adolescente havia marcas de tiro no peito, na costela e na perna. Uma execução sumária. Clamamos por Justiça”, escreveu Sueidy, a mãe do jovem em carta publicada nas redes sociais.
O g1 questionou a Polícia Civil e Militar sobre as armas apresentadas e nenhuma das duas instituições respondeu sobre os itens. Sobre o motivo pelo qual a viatura de outra região estar no bairro, também não houve resposta.
A Polícia Militar não respondeu a nenhum dos questionamentos feitos pela reportagem, e também não confirmou o afastamento dos PMs envolvidos na abordagem.
A Polícia Civil informou “que equipes da Seccional da Cidade Nova apuram o caso e que perícias foram solicitadas para auxiliar nas investigações”. O caso está sendo investigado sob sigilo.
Família questiona excesso e quer saber o que aconteceu
“O que a gente questiona é o excesso e o despreparo, não da Polícia Militar, mas de algumas pessoas completamente sem competência técnica para fazer uma abordagem a um adolescente de 16 anos, onde as armas apresentadas sequer tinham condições de serem disparadas, uma era de brinquedo e outra não tinha gatilho. Foi tudo plantado e mal feito”, diz o pai, Marcelo Magalhães.
“Nossa reivindicação é para que o Estado nos dê uma resposta à altura porque não queremos que outros Davis venham a padecer nas mãos de outros policiais militares, como esses, dessa guarnição que ceifaram a vida do meu filho”, diz.
A mãe, Sueidy Pena, diz que a ação policial feriu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “16 anos era a idade dele. Segundo o ECA, seres humanos na fase da infância e adolescência são sujeitos de direitos em condição peculiar de desenvolvimento, que demandam proteção integral e prioritária por parte da família, sociedade e do Estado. Esse mesmo Estado, que devia proteger o adolescente, o matou sem chances de defesa, diante da sociedade e sem ouvir sua família”.
Mãe de adolescente morto pela PM em Ananindeua exige justiça
“Se por ventura, algum dia, meu filho pudesse ter pisado em falso, ele tem pai, tem mãe, e teríamos condições de ressocializá-lo”, afirma o pai.
“Agora, nós não vamos ter mais a comemoração do vestibular, não vamos mais ter os netos, filhos do meu filho. Eles simplesmente tiraram o que tínhamos de mais precioso. Nosso único filho homem. É uma dor que não cabe, que não tem explicação”, diz o pai de Davi.
“Sei que o sangue do meu filho Davi não foi derramado em vão. Nós somos os principais interessados em saber a motivação desse crime. Nós iremos, sim, procurar justiça porque a vida é um dom de Deus e só cabe a Ele tirar, não através de alguns policiais”, completa.
Davi iria fazer prova da PM como teste para ingressar na Marinha
“Davi era um atleta, um jovem cheio de energia, que sonhava em ir para a Marinha. Este ano ele falou para mim que queria vestir uma farda branca, mas eu nunca imaginei que seria de um anjo”, conta a mãe do adolescente.
Davi Silva cursava o 1º ano do Ensino Médio em uma escola católica de Ananindeua, praticava Jiu Jitsu e colecionava medalhas, e era apaixonado por futebol. Ele disse à mãe que iria fazer a prova do concurso da Polícia Militar para treinar os conhecimentos, o que seria um teste para a prova da Marinha.
No dia 25 de outubro ele vestia uma camisa do Flamengo, que era da namorada. Eles tinham trocado as camisas. A dele, estava com ela. Uma das informações ouvidas pelos pais na delegacia era a de que o rapaz que havia morrido estava com uma camisa do Flamengo.
Sueidy ligou para uma das filhas e perguntou qual era a camisa que ele estava quando saiu de casa e ela confirmou que era a do time carioca. “Mesmo sem ter a confirmação, meu coração já estava aflito”, comenta.
Caminhadas pedem por justiça
Uma cruz foi levada por amigos de Davi para ser crava no local onde levou os tiros disparados por PMs
Lissa de Alexandria/ g1
No último dia 15 de novembro, foi realizada a terceira caminhada por familiares e amigos do jovem que intitularam o movimento de “Justiça por Davi”. A primeira foi feita atendendo a pedidos de colegas de classe do jovem.
“Eles [os colegas de classe] também estão com medo e é esse medo que eu quero que a gente possa banir da nossa vida e voltar a acreditar na Polícia Militar. Que seja separado o joio do trigo o quanto antes. Que os nossos jovens quando abordados na rua não sintam medo, quando passa uma viatura, quando eles carregam uma mochila nas costas. A gente só quer que eles voltem para casa a salvo, que a gente possa abraçar de novo”, diz Sueidy.
Durante a caminhada que saiu da casa da família de Davi, três viaturas da Polícia Militar passaram ao lado da manifestação.
No chão onde Davi caiu, ainda há marcas de sangue, apesar de terem sido lavadas pelos familiares. No muro, o artista Fábio Grafta, que se sensibilizou com o caso, grafitou o rosto de Davi com frases cristãs. O local, Sueidy quer transformar em um jardim.
Uma cruz que foi levada durante a caminhada por amigos de Davi foi cravada no local e orações foram feitas por um padre, além da súplica por justiça. Um dos amigos, João Vitor, tatuou o nome do amigo no braço.
Uma cruz foi cravada no local onde Davi Silva foi alvejado
Lissa de Alexandria/ g1
“Eu perdi um pedaço muito grande da minha vida. Eu carreguei um anjo no meu ventre. Todo mundo que conhecia ele sabia o coração nobre que tinha, ele sempre pedia ‘mãe, eu posso brincar de bola?’, ‘mãe, eu posso empinar pipa?’, ‘mãe, eu tô indo para a academia’. E ele nunca respondeu para pai e mãe. A gente sempre teve presente, ia buscar, perguntando ‘meu, filho, que horas você vai chegar? Eu como mãe, suplico à Justiça, quero a Justiça, uma justiça limpa. Que essas pessoas se arrependam porque não é possível que na hora que eles apertaram o gatilho não tenham pensado que o meu filho podia ter uma mãe, um pai”, lamenta a mãe.
“Dói muito saber que meu filho passou por isso e tão perto de mim. Bastava uma ligação que a gente ia esclarecer a situação, mas não deixaram. Meu filho pediu para chamar o pai, preferiram o dedo no gatilho do que uma ligação e é isso que me corrói por dentro e me dá vontade de gritar, porque eu não vou ter o meu filho de volta”, desabafa Sueidy.
A distância entre a casa de Davi e o local da morte do adolescente, de moto, é de 1,3 km. Se o percurso tivesse sido completado, Davi teria chegado em casa em quatro minutos.
Um pouco mais de 1 km é a distância feita de motocicleta entre a casa e o local onde Davi foi alvejado por policiais
Reprodução
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