‘Imposto do pecado’: entenda trecho polêmico da Reforma Tributária

Cigarros serão taxados pelo “imposto do pecado” com a aprovação da Reforma da Previdência – Foto: Pixabay
A Lei Complementar nº 214, responsável pela atual reforma tributária aprovada no país em janeiro de 2025, traz um imposto considerado “polêmico” devido ao nome que ganhou durante sua tramitação na Câmara e Senado. Apelidado de “imposto do pecado”, o IS (Imposto Seletivo) incide sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, como bebidas alcoólicas e tabaco.
Como funciona o imposto do pecado?
O imposto do pecado incidirá uma única vez sobre o bem ou serviço, sendo proibido qualquer tipo de aproveitamento de crédito do imposto com operações anteriores ou geração de créditos para operações posteriores. Produtos destinados à exportação ficam isentos da cobrança.

“Esse imposto já existe em vários países e aqui no Brasil vai funcionar da mesma forma: serve mais pra regular o consumo do que pra arrecadar grana”, comenta Beatriz Conelheiro, advogada tributária do Escritório Asbz. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a exemplo de bebidas alcoólicas, é estimado que pelo menos 148 países as sobretaxem, em uma porcentagem média de 17% a 26% do valor da bebida.
Estes produtos serão tributados em 26,5% — alíquota padrão da tributação sobre bens e serviços estabelecida pela reforma — mais o IS. Os valores das alíquotas do imposto do pecado serão definidos futuramente em lei ordinária, ainda sem previsão do Governo Federal.
Afinal, o que o imposto do pecado irá sobretaxar?
O texto-base determina que são prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente os seguintes bens e serviços:
Veículos*
Entram na categoria automóveis de passageiros e outros veículos automóveis principalmente concebidos para transporte de pessoas, com exceção de caminhões.
Existirá diferença da alíquota cobrada conforme enquadramento nos seguintes critérios, a serem estipulados em lei ordinária:

Potência e categoria do veículo
Eficiência energética
Desempenho estrutural e tecnologias assistivas à direção
Reciclabilidade de materiais
Pegada de carbono
Densidade tecnológica
Emissão de dióxido de carbono (eficiência energético-ambiental)
Reciclabilidade
Realização de etapas fabris no país

Embarcações e aeronaves*
A categoria contempla helicópteros, aviões e outros veículos aéreos e barcos a motor.
A Lei Complementar nº 214 prevê que futura lei ordinária voltada à regulamentação das alíquotas poderá prever alíquota zero para embarcações e aeronaves de zero emissão de dióxido de carbono ou com alta eficiência energético-ambiental.
Produtos fumígenos e bebidas alcoólicas
As alíquotas do Imposto Seletivo incidentes sobre bebidas alcoólicas e produtos fumígenos serão escalonadas entre 2029 e 2033, de forma que incorporem progressivamente o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e alíquotas modais direcionadas a estes produtos. Caso previsto em lei ordinária, pequenos produtores de bebidas alcoólicas poderão ter alíquotas de tributação diferenciadas.
Produtos fumígenos

Tabaco não manufaturado, charutos, cigarrilhas e cigarros, de tabaco ou dos seus sucedâneos
Outros produtos de tabaco e seus sucedâneos, manufaturados
Tabaco “homogeneizado” ou “reconstituído”
Extratos e molhos de tabaco
Produtos que contenham tabaco, tabaco reconstituído, nicotina ou sucedâneos do tabaco ou da nicotina, destinados à inalação sem combustão
Outros produtos que contenham nicotina e que sejam destinados à absorção da nicotina pelo corpo humano

A OMS estima que pelo menos 148 países sobretaxam bebidas alcoólicas, que agora, com a Reforma Tributária, terão incidência do imposto do pecado  – Foto: Pixabay

Bebidas alcoólicas

Cervejas de malte
Vinhos de uvas frescas
Vermutes
Bebidas fermentadas como sidra, perada, hidromel, saquê
Bebidas de álcool etílico não desnaturado, com teor alcoólico de até 80%
Aguardentes, licores e outras bebidas espirituosas.

Bebidas açucaradas
Águas, incluindo as águas minerais e as águas gaseificadas, adicionadas de açúcar ou de outros edulcorantes ou aromatizadas
Bens minerais
As alíquotas do Imposto Seletivo estabelecidas nas operações com bens minerais extraídos devem respeitar o percentual máximo de 0,25%. Entram na categoria:

Minérios de ferro e seus concentrados
Óleo de petróleo
Gás natural (liquefeito ou gasoso), com exceção do destinado à utilização como insumo em processo industrial e como combustível para fins de transporte

Loterias, apostas e jogos de fantasy sports
A legislação prevê regras para publicidade e propaganda nos sites de apostas.
Águas adicionadas de açúcar ou de outros edulcorantes ou aromatizadas serão taxadas pelo imposto do pecado – Foto: Pixabay
O que dizem especialistas sobre o ‘imposto do pecado’?
Em audiência pública sobre a reforma tributária realizada em outubro de 2024, profissionais como professores, representantes dos setores de bebidas açucaradas, fumo e diversos tipos de jogos, além de especialistas tributários e financeiros, estiveram presentes para debater sobre o imposto do pecado.
Para Victor Bicca Neto, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas, o imposto do pecado “pune um setor como grande vilão da obesidade no país” e que “a obesidade é uma questão multifatorial”, já que bebidas açucaradas representam somente 1,7% de todas as calorias consumidas pelo brasileiro.
Já Edmilson Alves, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Fumo, coloca o aumento do contrabando como uma possível consequência do imposto seletivo.
“Em 2019, o contrabando foi responsável por 57% do cigarro consumido no Brasil. Quando você aumenta o preço, o consumidor da classe B, C e D vai consumir um cigarro do contrabando. Quando se aumenta o imposto não se diminui o consumo. No Paraguai, hoje, o imposto é 13%. No Brasil é de 70% a 90%. Nós trazemos aqui um pedido: é que não aumente mais a carga tributária. O setor não aguenta mais impostos”. (Rádio Senado)
A OMS defende que o aumento de impostos sobre produtos como álcool, tabaco e bebidas açucaradas é uma das políticas mais eficazes em termos de custos para reduzir o consumo e prevenir doenças crônicas não transmissíveis. Entretanto, o estudo “Imposto Seletivo: o que dizem as evidências científicas?”, produzido pelo OBST (Observatório Brasileiro do Sistema Tributário) da UFG (Universidade Federal de Goiás), pontua que esse tipo de tributação não é totalmente efetivo por si só, e sim quando é associado a políticas públicas multissetoriais.
A eficácia do aumento de preços de tabaco, bebidas alcoólicas e bebidas açucaradas para a promoção de comportamentos saudáveis tende a ser otimizada quando as medidas fiscais se inserem em contextos definidos por um conjunto de políticas, devidamente avaliadas e monitoradas, em campos como saúde pública, informação, educação, atenção psicossocial e transferência de renda. (p. 4)
 

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