Ministério das Mulheres tem verba milionária, mas baixa execução

Apesar do aumento expressivo de recursos nos últimos anos, o Ministério das Mulheres tem enfrentado dificuldades para tirar projetos do papelRafa Neddermeyer/Agência Brasil

Apesar do aumento expressivo de recursos nos últimos anos, o Ministério das Mulheres tem enfrentado dificuldades para tirar projetos do papel. Em 2025, o orçamento autorizado chega a R$ 370,54 milhões — crescimento real de R$ 21,09 milhões em relação ao ano anterior. No entanto, até o momento, apenas R$ 10,04 milhões foram efetivamente pagos, o que representa apenas 2,7% da dotação total.

As despesas empenhadas somam R$ 26,23 milhões, aproximadamente 7% da verba da pasta.

Os trabalhos da pasta ganharam os holofotes quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu demitir a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, o que era esperado desde o final do ano passado. Márcia Lopes foi nomeada em meio ao incômodo do Planalto com a pouca atuação em políticas públicas voltadas ao público feminino

Banqueiros e grandes rentistas

Em 2024, os números mostram que a atuação do ministério também deixou a desejar.

De acordo com estudo realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), apenas 14,29% do orçamento autorizado para a pasta foi efetivamente pago.

O relatório intitulado “Orçamento e Direitos: balanço da execução de políticas públicas (2024)”, mostra que três programas específicos do Ministério das Mulheres foram criados no ano passado, o “Igualdade de decisão e poder para as mulheres”; o “Mulher viver sem violência” e o “Autonomia econômica das mulheres”.

Entretanto, dos R$ 256,36 milhões autorizados para estes três programas, somente R$ 36,64 milhões foram efetivamente pagos.

Apesar de 92% dos recursos terem sido empenhados, o que demonstra intenção de uso do orçamento, o pagamento efetivo — que representa a implementação real das ações — foi limitado a 14,29% do total previsto.

O orçamento restante do ministério para 2024, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, pode ter sido drenado para o pagamento da chamada “dívida pública”, beneficiando banqueiros e grandes rentistas.

“A disparidade de recursos é chocante: de um lado, as políticas públicas destinadas às mulheres e demais áreas sociais recebem recursos ínfimos, que são gastos a conta gotas, e, de outro lado, os recursos destinados para o Sistema da Dívida são abundantes e sem limite algum, alcançando cerca de R$ 2 trilhões em 2024”, destaca o relatório.

Ou seja, de acordo com o estudo feito pela auditoria independente, cerca de 76% do orçamento do ministério em 2024 não chegou a ser empregado em políticas públicas destinadas às mulheres e pode ter sido destinado ao Sistema da Dívida, que ficou com cerca de R$ 2 trilhões, o que significa que o gasto com juros e amortizações da chamada “dívida pública” foi 25.675 vezes maior que o valor efetivamente gasto pela pasta.

Congresso de olho no Orçamento 

Essa fragilidade já havia sido demonstrada em audiência pública realizada na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional, em fevereiro.

Na ocasião, a deputada Professora Luciene Cavalcante (PSOL-SP), que pediu pelo debate, apontou que o Brasil encontra dificuldades para realizar políticas de longa duração voltadas para as mulheres.

“O Brasil precisa de fato enfrentar essa dura realidade, sobretudo quando a gente olha para a violência doméstica, a violência que ocorre dentro de um espaço que deveria ser o espaço de proteção da família. Quase 80% dessas violações ocorrem dentro desse espaço, onde a produção de prova é mais difícil, onde a relação econômica pesa muito”, disse a deputada. 

Maria Helena Guarezi, secretária-executiva da pasta, reconheceu os desafios. Em sua avaliação, o valor destinado ao ministério é insuficiente frente à dimensão dos problemas enfrentados.

Ela deu como exemplo o custo de construção de uma Casa da Mulher Brasileira — R$ 19 milhões e dois anos de obras. Segundo ela, o gargalo não é apenas financeiro, mas também operacional. “Temos absorventes comprados, mas não conseguimos entregá-los a quem precisa”, disse.

Na audiência, os integrantes do colegiado ainda destacaram, que apesar do aumento de verbas públicas no setor, mais de 70% do valor ainda vem das emendas parlamentares. Esse fator, segundo a deputada Professora Luciene Cavalcante, dificulta a criação de políticas sistêmicas e duradouras.

Em comunicado divulgado pela ex-ministra Cida Gonçalves, nesta segunda-feira, ela contrariou as denúncias de baixa atuação.

Destacou as políticas implementadas desde 2023, quando assumiu a pasta, e disse ter se dedicado intensamente ao ministério.

“Voltamos a dialogar e a investir nas secretarias estaduais e municipais de mulheres, para assegurar a capilaridade de todas essas políticas; construímos um diagnóstico e propostas para enfrentar a violência política de gênero; investimos na formação de mulheres para estimular que cada vez mais mulheres ocupem posições de poder”, justificou. 

Eleições 2026

A troca na gestão do ministério surge em meio à necessidade do governo de ter um maior empenho das verbas em políticas para as mulheres.

Além disso, a pasta é uma importante ferramenta para angariar o apoio do público feminino ao PT nas eleições presidenciais de 2026

O governo reconhece que o ministério é estratégico, especialmente no contexto eleitoral.

Em 2023, foram destinados R$ 215,9 bilhões para 91 ações que beneficiaram mulheres, um número expressivo, mas que engloba iniciativas espalhadas por diferentes pastas. A articulação dessas políticas em torno de um ministério forte é o que se espera com a chegada de Márcia Lopes.

Assim, Márcia Lopes assume com a missão de destravar a execução dos recursos e dar visibilidade a ações concretas do ministério, especialmente em áreas sensíveis como enfrentamento à violência de gênero, autonomia econômica e cuidados.

Além disso, a nova ministra terá o desafio de apresentar resultados palpáveis no curto prazo, enquanto o governo começa a traçar sua campanha pela reeleição. 

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