
Durante encontro oficial na Casa Branca, nesta quarta-feira (21), o presidente dos Estados Unidos Donald Trump cobrou o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, com vídeos e reportagens que, segundo ele, comprovariam a existência de crimes sistemáticos contra fazendeiros brancos no país africano.
As imagens foram exibidas com as luzes apagadas no Salão Oval, em uma tentativa de dramatizar o conteúdo. O episódio provocou desconforto na delegação sul-africana.
Trump acusou políticos sul-africanos de incitarem a violência racial e citou diretamente o líder da oposição Julius Malema, a quem afirmou que “deveria estar preso”.
Ramaphosa não reagiu durante a exibição, mas, ao final da reunião, negou ter conhecimento prévio dos vídeos apresentados e afirmou que as falas ali reproduzidas não correspondem à política oficial de seu governo.
Segundo ele, “a violência na África do Sul não tem recorte racial definido e afeta majoritariamente a população negra”.
As alegações de Trump vêm sendo repetidas em suas redes sociais e em discursos públicos desde 2024. Em maio de 2025, ele autorizou o asilo de 59 cidadãos sul-africanos brancos e anunciou cortes na ajuda financeira destinada ao país.
A justificativa, segundo ele, seria o suposto “genocídio branco” e a expropriação de terras promovida pelo governo sul-africano.
As informações, no entanto, não são confirmadas por dados oficiais. Relatório de fevereiro deste ano do Judiciário sul-africano, em decisão relacionada a um grupo extremista branco, classificou a tese como “irreal” e “sem respaldo factual”.
A criminalidade na África do Sul é alta, com 6.953 homicídios registrados entre outubro e dezembro de 2024. Dentre esses, 12 ocorreram em ataques a fazendas, sendo apenas uma das vítimas um proprietário branco.
A origem das alegações está vinculada à Lei de Expropriação de 2024, aprovada pelo parlamento sul-africano com o objetivo de permitir a redistribuição de terras sem compensação financeira em casos específicos.
O texto busca reverter desigualdades herdadas do regime do apartheid. Atualmente, 72% das terras agrícolas estão em mãos de proprietários brancos, que representam 8% da população. Já a população negra, que é maioria, detém cerca de 4% das propriedades rurais.
Trump e seu ataque
Durante a reunião, Trump usou o tema para ampliar críticas ao governo sul-africano. Ramaphosa rebateu a narrativa ao mencionar a presença de membros brancos em sua comitiva, como o ministro da Agricultura, John Steenhuisen, como evidência de que não há perseguição institucional contra essa parcela da população.
O empresário Elon Musk, também presente no encontro, apoiou as declarações de Trump. Ele sugeriu que sua empresa de comunicações via satélite, Starlink, poderia contribuir para o combate ao crime no país.
Musk já havia feito críticas anteriores ao governo sul-africano em suas redes sociais, alegando que a legislação fundiária promovia discriminação contra brancos.
Após o encontro, o governo sul-africano divulgou nota reiterando que não existe genocídio em curso e que a violência no país decorre de fatores econômicos e sociais amplos, não de motivação racial.
Organizações da comunidade afrikaner, como o movimento Orania e o grupo Solidarity, também rejeitaram as ofertas de asilo feitas pelos Estados Unidos. “Preferimos permanecer e construir um futuro aqui”, declarou um porta-voz do movimento.
Outros episódios de constrangimento diplomático

O encontro com Ramaphosa não foi o único a provocar desconforto entre autoridades estrangeiras. Reuniões recentes de Trump com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e com o presidente da França, Emmanuel Macron, também foram marcadas por tensões.
Em fevereiro, Zelensky visitou a Casa Branca para discutir um acordo de exploração de minerais estratégicos com empresas americanas, como forma de compensar o apoio militar recebido durante o conflito com a Rússia.
Trump pressionou por uma solução rápida para o fim da guerra, o que foi interpretado como sinal de disposição para aceitar concessões territoriais. O governo ucraniano manteve a posição de que qualquer negociação deve respeitar a integridade do território.
A imprensa internacional mencionou uma “altercação anterior” entre os dois no Salão Oval, embora sem fornecer detalhes.
O encontro de fevereiro foi descrito como tenso, e diplomatas relataram desconforto com a postura adotada por Trump, considerada alinhada aos interesses russos.
Poucos dias antes, Emmanuel Macron havia participado de reunião com Trump para discutir a mesma questão.
O presidente francês defendeu o envio de mais tropas da OTAN para apoiar a Ucrânia, enquanto Trump reiterou sua política de menor envolvimento militar externo.
O diálogo evidenciou o contraste entre a posição europeia e a estratégia do ex-presidente americano, voltada a negociações diretas e à redução de compromissos internacionais.