
O Brasil já aprovou ou discutiu diferentes tipos de anistia política nas últimas décadas. Três delas ganharam repercussão nacional: a lei de 1979, que marcou o início do fim da ditadura; as propostas de perdão aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023; e, mais recentemente, a anistia individual concedida à ex-presidente Dilma Rousseff (PT-MG).
Apesar de todas serem chamadas de “anistia política”, cada uma reflete contextos históricos e políticos diferentes.
1979: perdão geral, inclusive para torturadores

Durante a ditadura militar, em 1979, foi sancionada a primeira grande anistia política do país. O texto permitiu que presos políticos fossem libertados, exilados voltassem ao Brasil e perseguidos tivessem seus direitos recuperados.
Mas, ao mesmo tempo, anistiou agentes do regime que cometeram crimes graves, inclusive tortura, assassinatos e desaparecimentos forçados.
A lei foi vista por muitos como um passo necessário para a redemocratização.
“A anistia de 1979 tem uma natureza ambígua: ela pretendia pacificar o país e permitir a volta de exilados e perseguidos, mas, ao mesmo tempo, blindou os autores de crimes cometidos durante a ditadura”, explica a advogada e doutora em Direito Constitucional e Penal Vivian Sousa, em entrevista ao iG.
2023: pedidos de anistia

Mais de 40 anos depois, um novo episódio reacendeu o debate sobre anistias: os ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília, em 8 de janeiro de 2023.
Naquele dia, milhares de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto. Os participantes enfrentam, na Justiça, acusações de tentativa de golpe e abolição do Estado de Direito.
Desde então, alguns parlamentares e setores da sociedade passaram a defender a anistia para manifestantes que participaram dos atos, alegando que muitos foram “enganados” ou “manipulados”. A proposta enfrenta forte resistência.
“Existe um consenso jurídico de que crimes contra a democracia não podem ser anistiados. Isso está previsto na Constituição e tem sido reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal”, afirma Vivian Sousa.
Até o momento, nenhuma proposta de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro foi aprovada pelo Congresso.
2025: Dilma Rousseff é reconhecida como anistiada política

Nesta quinta-feira (22), a Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos reconheceu oficialmente o direito da ex-presidente Dilma Rousseff à anistia política.
A decisão foi acompanhada por um pedido público de desculpas pelas perseguições que ela sofreu durante a ditadura militar.
Dilma foi presa aos 22 anos, em 1970, e passou quase três anos detida, sendo torturada em diferentes quartéis militares.
O processo de anistia de Dilma foi iniciado em 2002, mas ficou suspenso enquanto ela ocupava cargos públicos.
Retomado após sua saída da Presidência, o pedido foi negado em 2022 e aceito em maio de 2025, após a reestruturação da Comissão de Anistia.
“Esta comissão […] lhe pede desculpas por todas as atrocidades que lhe causou o estado ditatorial; causou à senhora, a sua família, aos seus companheiros de luta e, ao fim e ao cabo, a toda a sociedade brasileira”, declarou Ana Maria Oliveira, presidente da Comissão de Anistia, durante a sessão que analisou o caso.
Além do pedido de desculpas, Dilma receberá R$ 100 mil em reparação econômica por ter sido demitida, em 1977, da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul, por motivos políticos.
O relator do processo, Rodrigo Lentz, afirmou que o Estado prolongou por 20 anos a repressão contra Dilma, com monitoramento e restrições até 1988.
A ex-presidente relatou que sofreu choques elétricos, afogamento, nudez forçada e privações extremas durante a prisão.
“As marcas da tortura fazem parte de mim”, disse Dilma em depoimento à Comissão Nacional da Verdade. “Descobri pela primeira vez que estava sozinha, encarei a morte e a solidão.”
Três momentos, três sentidos de anistia
As três situações mostram como o termo “anistia política” pode assumir significados diferentes. Em 1979, o perdão foi amplo e incluiu até quem cometeu crimes graves.
Em 2023, a proposta envolve crimes contra a democracia — e encontra barreiras legais. Já em 2025, o reconhecimento de Dilma foi um ato de reparação individual por abusos sofridos no passado.
Para Vivian Sousa, o Brasil ainda lida mal com seu passado.
“Todas essas anistias têm impactos profundos na forma como o país trata sua memória e a responsabilização. A maneira como o Brasil olha para trás influencia diretamente a confiança nas instituições e na própria democracia”, afirma.