Há 249 anos, a Divina Festa toma conta de Florianópolis; conheça a história

Capela do Divino Espírito Santo foi inaugurada em 1932 já sob a coordenação da Irmandade do Divino Espirito Santo – Foto: Divulgação/ND
O Centro de Florianópolis está revivendo neste fim de semana a mesma festividade religiosa e cultural iniciada em 1776, sempre coincidindo com o Domingo de Pentecostes, celebrado pelos católicos e cristãos de todo o mundo.
É a Divina Festa, organizada há 249 anos pela Irmandade do Divino Espírito Santo, e reeditada na praça Getúlio Vargas.

Durante o século passado, a primeira quinzena de junho era sempre marcada pela programação religiosa, com missas, novenas, procissões e desfile Imperial, além de eventos sociais, com barraquinhas, bebidas típicas, gastronomia diferenciada, música e muita confraternização.
As barraquinhas eram instaladas na rua que circunda o lado Sul da praça dos Bombeiros e boa parte dos jardins.
A festa reunia durante vários fins de semana jovens e adultos, famílias inteiras da região central e bairros, naquela que se transformou na principal comemoração do período em Florianópolis.
Constavam de sorteios numéricos de cavalinhos, pescaria, jogos com bolas, roletas com prêmios diversos.
Nos últimos anos, tudo está concentrado no interior da Irmandade, com amplos espaços cobertos de lona, almoços especiais, guloseimas e os tradicionais sorteios.
As vendas de massas de pão de leite, outra tradição da festividade, com peças que imitam braços, corações, mãos e pernas, são comercializadas, a título de promessas dos devotos.
Toda a renda decorrente da venda de produtos, dos bingos e barraquinhas reverte para as várias obras educativas e assistenciais da , dedicadas às crianças e adolescentes.
Ponto Alto
A programação na Irmandade do Divino Espírito Santo terá seu ponto alto neste fim de semana, com apresentação de grupos folclóricos, atrações musicais, bingos, Cortejo Imperial neste sábado, às 18h, e exibição de bandas.
Neste domingo, o Cortejo Principal será às 10h, seguido da Missa de Pentecostes e a cerimônia de coroação do Imperador, novos espetáculos musicais, grupo Raízes Açorianas e novas atividades artísticas e folclóricas, com previsão de encerramento às 20h.
Uma linda e pequena Capela do Divino
Toda a programação religiosa acontece na pequena e linda Capela do Divino Espírito Santo, inaugurada em 1932, sob a coordenação da Irmandade do Divino Espírito Santo, com trabalho dos irmãos e apoio dos fiéis católicos.
Vitrais maravilhosos ornamentam as janelas laterais. O altar e o ambão (púlpito) são talhados em madeira e com detalhes em ouro. O altar principal tem ao centro uma imagem do Coração de Jesus, ladeado por São José e Nossa Senhora.
Nos dois alteras laterais, à esquerda São Vicente de Paulo, padroeiro da Irmandade e a semente maior da instituição, e Santa Terezinha do Menino Jesus.
A imagem de Santa Terezinha foi introduzida a partir da criação da Associação Santa Terezinha, criada por dona Alice Petrelli, que reunia senhoras para a oração do terço e promoção de atividades várias para angariar fundos destinados às estudantes carentes do interior e formação de sacerdotes.
Os santos laterais são franceses, o que explica que as duas imagens tenham sido importadas da França. O estilo gótico prevalece nos três altares, com pinturas especiais que são um brilho e um tom aconchegante na capela.
Vitrais nas laterais da capela do Divino Espiríto Santo ornamentam as janelas; altar e púlpito têm detalhes em ouro – Foto: Divulgação/ND
Complexo infantojuvenil da Irmandade do Divino Espírito Santo
A Irmandade do Divino Espírito Santo constitui uma grande empresa, responsável por quatro grandes projetos sociais de assistência às crianças e adolescentes: Lar São Vicente de Paulo, Centro de Educação Infantil Girassol, EducArte e Formação Aprendiz.
Conta com 150 empregados, mais de 120 voluntários para média diária de 750 beneficiários e fornecimento de 43 mil refeições mensais. Só no Jardim de Infância, com internamento integral, são quatro refeições por dia. No Lar São Vicente de Paulo, que acolhe crianças de zero a 8 anos.
O EducArte, antiga Promenor, abrange infância entre 6 a 15 anos, garante assistência 9 horas por dia, fornecendo seis refeições diárias desde 1975. No Centro de Educação Infantil Girassol, são 400 crianças atendidas, das 7h30 às 17h.
E o programa Formação Aprendiz tem quatro eixos: Logística, Tecnologia da Informação e Comunicação, Serviços Administrativos e Atacado e Varejo. Atende a média de 130 adolescentes e mantém parceria com 34 empresas.
A Irmandade do Divino Espírito Santo é uma organização católica, filantrópica, assistencial e sem fins econômicos, gerenciada por uma diretoria voluntária. Mantém-se com doações, contribuições financeiras, promoções, convênios, apoios de parceiros e aluguéis.
Irmandade do Divino Espírito Santo, 252 anos
Há 252 anos, no dia 10 de junho, ao lado da Igreja Matriz (atual Catedral) era fundada a Irmandade do Divino Espírito Santo, tendo como provedor o capitão Antônio Tavares Ferreira.
Participação de 50 irmãos, que contribuíram com 350 réis cada um e compromisso anual de mais 160 réis. Um dos líderes do movimento foi Thomas Francisco da Costa, pai do Irmão Joaquim, que já havia liderado a criação da Irmandade do Senhor dos Passos, em 1º de janeiro de 1765.
Inicio do Seculo XX Irmandade sem a Capela, com Praça Getulio Vargas e Baia Sul ao fundo com Ilha do Carvão – Foto: Divulgação/ND
Em 1774, chegaram em Desterro, vindos de Portugal, a coroa, o cetro e a custódia, preservados até hoje. A coroa representa o reinado do Espírito Santo sobre a comunidade, simbolizando paz, amor, igualdade e fraternidade.
O cetro simboliza a autoridade do Espírito Santo e do Imperador. E a custódia, que acolhe a coroa e o cetro. A bandeira vermelha tem a imagem do Espírito Santo, sob a forma de uma pomba branca.
Festa ao Orago
A primeira Festa ao Orago na Vila de Nossa Senhora do Desterro aconteceu em 1776, repetida depois todos os anos para homenagear o padroeiro da localidade. E o primeiro Imperador coroado foi o capitão-mor Manoel Francisco da Costa.
Estes e outros dados constam das pesquisas feitas há anos pelos escritores Luiz Teixeira do Valle Pereira e Berenice Maria Sell do Valle Pereira, em esforço de voluntariado para publicação futura no livro “Irmandade do Divino Espírito Santo: 250 anos de história e devoção ao Espírito Santo”.
Doação ao vigário Francisco Xavier Topp, de uma área na chácara Mato Grosso, feita por Maria Francisca de Paula Braga, destinava-se à construção de um orfanato, em 1898.
Padre Topp, depois monsenhor e hoje nome de rua nas imediações, transferiu a propriedade para a Irmandade, onde foi erguida a primeira ala do prédio do Asilo em 1900.
Nascia, em 8 de setembro de 1910, o Asylo de Órphãos Santa Catharina, unido depois à Confraria Vicentina, que já mantinha o Asylo São Vicente de Paulo no Colégio Coração de Jesus.
A partir de 1968, atendendo apenas meninas, o asilo passou a denominar-se Lar São Vicente de Paulo. Ao longo do século 20, vários serviços educativos e assistenciais de crianças e adolescentes passaram a integrar as múltiplas atividades da Irmandade do Divino Espírito Santo completa 252 anos.
Divina Festa remonta a 700 anos
A Divina Festa remonta ao século 13, graças à rainha Isabel de Aragão, devota profunda do Espírito Santo.
O fundamento era seu sonho espiritual de um tempo de paz e justiça para os pobres e oprimidos, por ela denominado de “Império do Divino”, marcado por atos de amor, de partilha e fraternidade em todas as comunidades.
A primeira Festa do Divino data de 1296, em Alenquer, situado a 52 km ao Norte de Lisboa, quando a rainha patrocinou a distribuição de alimentos, roupas e ajuda material aos necessitados, juntamente com procissões, missas e orações comunitárias.
De acordo com a Arquidiocese de Florianópolis, a tradição secular foi trazida pelos açorianos, celebrada pelo lado espiritual pela programação social. “O açoriano transportou no coração a religiosidade, a fé e o culto ao Divino Espírito Santo”, ressalta.
Uma tradição secular que representa, hoje, a manifestação mais significativa da cultura popular catarinense.
Florianópolis
Em Florianópolis, a Divina Festa é celebrada desde 1776. Tem sido um pilar de sustentação financeira para o desenvolvimento dos programas voltados a cerca de 800 crianças e adolescentes da Grande Florianópolis.
Desde fevereiro de 2018, a Divina Festa da Irmandade do Divino Espírito Santo foi considerada, pela Fundação Catarinense de Cultura, Patrimônio Cultural Imaterial deste Estado. O município também reconheceu as Festas do Divino Patrimônio Cultural de Florianópolis.
Ex-provedores
A Irmandade do Divino Espírito Santo contou com centenas de provedores entre 1777 e 2018. Nos últimos 85 anos, foram apenas 12 integrantes da Irmandade lideraram a instituição.
Com 32 anos de comando, o mais longevo foi Washigton do Valle Pereira, de tradicional família católica voltada para o voluntariado, pai do atual provedor Paulo do Valle Pereira.

1940 a 1948 – João Otaviano Ramos
1948 a 1964 – Narbal Born da Silva
1964 – João Batista Barretta
1964 a 1965 – Ararahy Tupy de Campos
1965 a 1966 – Osvaldo José de Simas
1966 a 1976 – Miguel Manganelli Orofino
1976 a 1980 – Paulo Leonardo Medeiros Vieira
1980 a 2012 – Washington do Valle Pereira
2012 a 2014 – Ildemar Cassias Pereira
2014 a 2016 – Jurandir Henrique Hostins, coronel
2016 a 2018 – Ademar Arcângelo Cirimbelli
2018 – Paulo Teixeira do Valle Pereira

Entrevista com Paulo Teixeira do Valle Pereira
O administrador de empresas Paulo Teixeira do Valle Pereira, o provedor, fala das dificuldades para manutenção dos programas sociais da Irmandade.
Provedor Paulo do Valle Pereira, com nova Coroa e Cetro recebidos do governo dos Açores – Foto: Divulgação/ND
ND: Qual o significado atual da festa?
Paulo Teixeira: É manter uma tradição secular e atender ao culto ao Espírito Santo, seus sete dons, aliando o lado cultural ao social. A festa é uma das fontes de recursos para manutenção dos projetos, envolvendo 750 atendimentos diários de jovens e crianças nos quatro grandes programas.
ND: O que prejudica a programação?
P.T.: Nos últimos anos, basicamente o mau tempo. Em 2024, o mau tempo atrapalhou muito. Ultimamente, procuramos enfatizar as atividades para caracterizar como “a festa da família”. É nosso lema atual: “A Festa do Divino é a Festa da Família”. Queremos envolver todas as pessoas, atraindo os avós, pais e filhos.
ND: Qual a motivação para liderar esta entidade?
P.T: Vem um pouco de família. Meu pai, meu avô, tio, primos, todos sempre colaboraram com a instituição. A gente entra e não sai. Como voluntário já são mais de 25 anos. É a união do espiritual com o social, cuidado com as crianças e adolescentes, podendo formar, educar e assistir os carentes. E exige muita dedicação dos voluntários.
ND: E o Poder Público?
P.T.: Temos convênios com a prefeitura, mas os recursos são insuficientes. Os custos são altos, os reajustes das despesas são sempre maiores do que a atualização dos convênios. A cada ano, a defasagem aumenta mais. Se a irmandade não tivesse outras fontes não manteria os grandes projetos.

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