Setor cerâmico: Dexco anunciou corte de linhas de produção e de postos de trabalho – Foto: Portinari/Divulgação/ND
A perda de competitividade é hoje a principal preocupação do setor cerâmico catarinense, especialmente no Sul, que abriga o polo mais tradicional deste segmento no estado. Na última semana, a Dexco, controladora das marcas Portinari e Ceusa, de Criciúma e Urussanga, anunciou demissão em massa nas unidades e o encerramento de duas linhas de produção.
O anúncio da empresa reacendeu questionamentos sobre os rumos do setor. O Sindiceram (Sindicato das Indústrias de Cerâmica de Criciúma) sustenta que a decisão da Dexco é uma medida pontual e estratégica da empresa diante de um cenário de retração econômica. E que para analisar o cenário completo, é preciso observar além do que acontece dentro da multinacional.
Afinal, o que está acontecendo com o setor cerâmico no Sul de SC?
Dois fatores principais ajudam a explicar a atual crise: o cenário econômico nacional e a perda de competitividade da indústria cerâmica de Santa Catarina. Se esses problemas não forem enfrentados, o setor pode sofrer um declínio progressivo nos próximos anos.
“Se nada for feito nos próximos 10, 15 ou 20 anos, certamente uma das vocações econômicas mais importantes do estado e uma das mais importantes na nossa região, tende a diminuir expressivamente de tamanho”, alerta o diretor-executivo do Sindiceram, Manfredo Gouvêa Junior.
Demissões em multinacional atingem unidades de Criciúma (foto) e Urussanga – Foto: Google Maps/ND
Investimentos e crescimento: um ciclo interrompido
O setor cerâmico do Sul de Santa Catarina viveu um ciclo de forte crescimento a partir de 2009, impulsionado por importantes investimentos e aquisições. A Cerâmica Elizabeth trouxe para a região a produção de 1 milhão e 600 mil metros de porcelanato. Houve avanço e ampliação nos parques industriais das cerâmicas. A própria Dexco assumiu o controle da Portinari e da Ceusa, enquanto o Grupo Mohawk, líder global em revestimentos, adquiriu a Eliane e a Elizabeth.
“Investimentos foram feitos aqui pela Angelgres, pela Gabriela e pela Cejatel. Agora, inegavelmente, nos últimos cinco anos, a gente vem perdendo competitividade frente à indústria de outras regiões do país”, argumenta Gouvêa.
Após os anos dourados, veio a retração a partir de 2020, provocada pela elevação do preço do gás e a baixa atratividade da logística para o escoamento da produção.
O principal mercado consumidor da cerâmica branca está em São Paulo, estado que desponta como o principal concorrente para abrigar, no futuro, o parque industrial cerâmico catarinense. Isto, claro, se a realidade não mudar.
“Lá nós temos o principal polo produtivo do país. E nós temos aqui em Santa Catarina um custo de produção maior do que o custo de produção da indústria cerâmica paulista. Isso leva a crer que se a gente olhar para um cenário de longo prazo, sim, nós teremos um processo de desindustrialização que deve preocupar todo o segmento econômico aqui da região”, explica.
Dexco é uma das principais empresas do setor cerâmico catarinense – Foto: Portinari/Divulgação/ND
Antes de 2020, o gás catarinense era mais barato, compensando os problemas logísticos e deixando a indústria local em parâmetros de igualdade com São Paulo.
Cabe lembrar que a indústria Sul-catarinense de cerâmica — destaque também para a Portobello, estabelecida em Tijucas — é reconhecida no mercado com as melhores notas em termos de qualidade, isto por si só é um atributo positivo para os negócios. Todavia, o ‘boom’ no preço do gás, estabeleceu o processo de desindustrialização.
“O custo do frete é extremamente relevante porque é um produto pesado e tenho que botar isso num caminhão e rodar 900 quilômetros até o meu principal polo de consumo. Eu preciso de um diferencial competitivo e nós o perdemos, que era um gás mais barato”, explica. “Isto fazia com que a gente chegasse perto do principal polo de consumo, que é a região sudeste, em condições de igualdade. Só a questão logística já é um movimento a nosso desfavor e isso é imutável, pois não tem como deslocar geograficamente o estado de uma posição para outra”, ilustra.
Soluções para frear a desindustrialização
Diante de tantos percalços, o Sindiceram e a Acic (Associação Empresarial de Criciúma) estão unidas com o propósito de frear a desindustrialização da cerâmica catarinense.
Ainda que o Sindiceram sustente que a questão na Dexco seja pontual, a decisão deve gerar a demissão de 120 trabalhadores, 90 na unidade de Criciúma e 30 na de Urussanga. Cada fábrica terá uma linha de produção desativada.
Para que a medida não se torne comum nos próximos anos, há consenso de que é necessário revisar o contrato junto a SCGás (Companhia de Gás de Santa Catarina), que é a concessionária de distribuição de gás canalizado.
Tarifa do gás em Santa Catarina é um dos grandes problemas enfrentados pelo setor – Foto: SCGÁS/Divulgação
“Nós nunca defendemos ruptura de contratos, mas a gente defende que não dá para você assinar um contrato há 30 anos e essas regras valerem nos dias de hoje. Existem cláusulas naquele contrato de concessão que precisam ser revistas em prol do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Isso certamente será um diferencial importante para a tarifa em Santa Catarina”, afirma o executivo do Sindiceram.
O presidente da Acic, Franke Hobold, acredita que este impasse terá um final adequado para a cerâmica catarinense. “O presidente da SCGás (Otmar Müller) é da região, é ex-diretor da Acic, ex-diretor de uma empresa importante do setor cerâmico. Temos a certeza de que ele está tentando fazer o possível para minimizar esta situação”, argumenta.
Logística eficiente é caminho complementar
Além do preço do gás, a melhoria da infraestrutura logística é vista como essencial para a competitividade. Dois pontos se apresentam como centrais nesta discussão: o fortalecimento do Porto de Imbituba e a solução para o Morro dos Cavalos, trecho da BR-101, em Palhoça, que é o grande gargalo da rodovia federal em Santa Catarina.
Viabilidade do binário do Morro dos Cavalos será avaliada pelo Ministério dos Transportes – Foto: Thiago Kaue/Secom SC/ND
“Precisamos de mais eficiência logística para escoar a nossa produção com um custo mais competitivo, tanto para o mercado nacional quanto para o mercado internacional. É um conjunto de fatores que estamos nos movimentando através da Acic e Fiesc (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina), junto ao Governo Estadual, para que nós possamos criar um ambiente de paridade entre o custo de produção daqui de Santa Catarina com outras regiões do país”, pontua o executivo do Sindiceram.
Qualificação da mão de obra: um diferencial
Voltando para as demissões na Dexco, lideranças do Sindicato dos Trabalhadores Ceramistas de Criciúma e Região acreditam que estes trabalhadores não ficarão desempregados por muito tempo.
Em entrevista ao Portal ND Mais, o presidente do sindicato, Itaci de Sá, disse que há negociações para absorção desta mão de obra. “No setor cerâmico tem vagas pra todos eles. Mas tem outras empresas que também querem. Tem o setor plástico, de móveis, tem vários setores que estão precisando. São trabalhadores assíduos, uma boa mão de obra”, pondera.
Mão de obra do setor cerâmico está entre as melhores do país, diz Acic – Foto: Pixabay
A Acic reforça a avaliação positiva e vê nessa característica um caminho para atrair novos investimentos. “A nossa mão de obra é treinada, é considerada muito boa e temos essa vantagem competitiva. E quando as empresas tomam decisões, colocam todos estes fatores em uma balança. Acreditamos que este momento é passageiro e não acredito que o setor cerâmico vai acabar na nossa região”, sustenta Hobold.
O sindicato liderado por Itaci de Sá representa cerca de 4 mil trabalhadores em 11 empresas da cerâmica branca — que produz pisos e revestimentos — nas cidades de Criciúma, Urussanga e Cocal do Sul, e outras da cerâmica vermelha, como tijolos e telhas, em cidades como Içara e Forquilhinha.
Mesmo diante dos desafios, lideranças do setor acreditam que há caminhos para reverter a perda de competitividade. Mas será preciso ação coordenada e políticas públicas eficazes para manter o Sul de Santa Catarina como referência nacional na produção cerâmica.