Luna Lopes, dona do restaurante ‘Le Bistrot Açaí’, coordena há 8 anos um projeto que alia a potência da Amazônia, com a gastronomia, o turismo e a universalidade do vinho. O projeto já visitou várias regiões do Pará, criando interações com pequenos produtores e comunidades locais. Ana Luna Lopes, coordenadora do projeto ‘Vinho Nômede’
Marcus Passos/g1 Pará
Como mostrar a Amazônia unindo o potencial gastronômico e turístico da região? Para a paraense Ana Luna Lopes a resposta está em um produto: o vinho. Há oito anos o projeto “Vinho Nômade” leva pessoas para conhecer o Pará, valorizando o comércio local, o turismo sustentável e a gastronomia regional.
Nas palavras da criadora do projeto, a ideia é apresentar a gastronomia e criar interações a partir dos vinhos, além de fazer com que as pessoas descubram mais sobre as cidades paraenses.
“O vinho tem uma cultura milenar. São 6 mil anos de história europeia. É possível incorporar essa cultura universal do vinho dentro da Amazônia. Afinal, a Amazônia também é universal”, explica Luna.
Para entender mais sobre o “Vinho Nômade”, o g1 acompanhou a última visita do projeto, que ocorreu na comunidade de Genipaúba, localizada no município de Santa Bárbara do Pará, distante cerca de 50 km de Belém.
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Valorização regional
Diálogo com a natureza
Vinho: vetor, atrativo
Paixão pelo vinho e espírito empreendedor
Valorização regional
A empresária divulga nas redes sociais as saídas para o passeio. Em Santa Bárbara, participaram 15 pessoas. “A ideia é levar um pequeno grupo de pessoas para que a experiência seja boa e comporte da melhor maneira a todos”, afirma.
Alguns dos locais que o projeto já passou foram: ilha do Combu, em Belém; ilha das Onças, em Barcarena; Soure, na Ilha do Marajó; vilas de Algodoal e de Fortalezinha, em Maracanã; São João de Pirabas; Igarapé-Açu; e, por último, Genipaúba, em Santa Bárbara.
Luna Lopes fala que o projeto ajuda a descobrir um Pará cheio de possibilidades
“São tantos lugares. Tantas realidades diferentes, com tantas situações que você acaba descobrindo um Pará enorme. Um Pará turístico. Um Pará que está pronto para ter essa vocação não apenas da gastronomia, mas do turismo”, diz Luna.
Quatro fatores dão base ao “Vinho Nômade”: a potência da Amazônia, da gastronomia, do turismo e a universalidade do vinho.
Para Goretti Tavares, professora da Universidade Federal do Pará, conhecer as regiões do estado é importante para o turismo, o patrimônio cultural e a cultura local. Para ela, projetos que diversificam a oferta de roteiros turísticos são importantes.
“Acho sensacional o projeto porque ele fortalece e divulga o turismo em Belém e no estado do Pará, possibilitando que a gente faça roteiros maravilhosos no nosso estado que tem muito por conhecer, na questão do patrimônio e na questão do turismo”, afirma.
Com pós-doutorado e pesquisas na área do Turismo, Geografia e Patrimônio, a professora era uma das participantes do passeio.
Diálogo com a natureza
Em uma van, o grupo de 15 pessoas saiu de Belém em direção ao “Sítio Refazenda Eco Hostel”, em Santa Bárbara, propriedade da publicitária Lia Paraense. Os dormitórios ficam em meio à mata e o local possui uma área externa para realizar as refeições. O Eco Hostel também oferece a possibilidade de fazer trilhas e tomar banho em um pequeno rio.
“O sítio surgiu com a ideia de estabelecer um novo modo de vida, diferente dessa vida que a gente está vivendo de consumo exacerbado. O que pretendemos é pelo menos empatar em convivência com o meio ambiente”, explica Lia.
Na chegada, os visitantes são recepcionados com um café da manhã: tapioca com manteiga, café preto, bolo caseiro feito por produtores locais e biscoito “beijo de moça”.
Depois, o grupo retorna à van e segue para a segunda parada no parque ecológico “Meu Xodó”. Todos os destinos são previamente escolhidos e ficam na rodovia PA-408.
Parque ecológico “Meu Xodó”, em Santa Bárbara do Pará.
Marcus Passos/g1 Pará
A visão surpreendou os visitantes. Com tom da água que varia entre verde e azul, quem chega fica apreciando por um tempo a beleza natural da água e da vegetação ao redor. Dono do parque e balneário, João Silva, de 73 anos, diz que o local foi aberto há cinco anos e que parcerias como essas são positivas.
“Essas pessoas vêm, consomem e deixam uma rentabilidade. Elas também são como ‘veículos de informação’, ao multiplicarem suas impressões sobre o balneário”, afirma.
Luna afirma que o projeto quer proporcionar realmente isso: turismo de experiência, de imersão, de base comunitária. “Criamos interações com pequenos produtores e a comunidade local”, destaca.
Finalizado o passeio pelas águas geladas do balneário “Meu Xodó”, o grupo seguiu para a Ecovila Iandê. Com 22 mil hectares de natureza exuberante, a ecovila está situada em uma antiga área de extração de areia e barro para a construção civil.
Proprietários da ecovila Iandê, a médica veterinária Lenise Maria e o marido, Franz Pereira.
Lissa de Alexandria/g1 Pará
Administradora e moradora da ecovila, a veterinária Lenise Maria, de 57 anos, contou aos visitantes que o local foi comprado em 2011 e, por conta da degradação do solo já existente no local quando ela chegou, atualmente Iandê passa por um processo de regeneração da mata.
“Pra mim é um potencial muito grande poder fazer essa parceria com a Luna. Várias pessoas já vieram nos falar do poder que temos para fazer o ecoturismo, o turismo rural. A ideia é essa, que a gente possa ampliar”, afirma Lenise.
Para Luna Lopes, a Amazônia é muito importante do ponto de vista turístico. Segundo ela, a região merece ganhar o mundo, ser reconhecida e protagonista, como nunca foi antes.
“Minha forma de mostrar a Amazônia para o mundo foi por meio da cultura milenar do vinho, acompanhado de insumos paraenses, como farofa, cupuaçu e peixe”, afirma.
A proprietária da Ecovila Iandê diz que o projeto resgata uma relação mais próxima, que tinha se perdido, de aproximar as refeições servidas na mesa com os produtos vindos diretamente do solo.
“Acredito que ela vá trabalhar esta filosofia, do chão do agricultor para a mesa do consumidor. Quebrar um pouco dessa questão da relação de preço, de consumo, por uma relação mais de apreço, de amizade”, analisa Lenise.
Dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) mostram que a Amazônia concentra 67% das florestas tropicais do mundo. Só no Brasil, a área chega a 5 milhões de quilômetros quadrados.
Luna Lope afirma que o projeto contribui para desenvolver no estado um turismo sustentável
Por toda sua dimensão e importância, é possível transformar esse cenário, preservar a floresta e comunidades, e ainda gerar impacto positivo a partir do trabalho realizado, defende Luna Lopes.
“Podemos fazer algo altamente positivo e também envolver a comunidade e o nosso estado para desenvolver o turismo sustentável. Um turismo que traga benefícios, sem maltratar, sem fazer mal para as florestas, para nossas vidas, cidades e comunidades”, garante.
Segundo a empreendedora, esse tem sido um dos objetivos do Vinho Nômade, apresentar a gastronomia da Amazônia, incorporando a cultura do vinho e a comida do dia a dia, de forma não elitizada.
“O vinho entra no projeto como a estrela principal, ajudando as pessoas a entenderem que há muita coisa para ser vista nesse mundão que é a Amazônia, que é o nosso estado”, destaca.
Vinho: vetor, atrativo
O almoço dos visitantes ocorreu no retorno ao Eco Hostel “Refazenda”. À mesa, o grupo começou experimentando um espumante brasileiro, de tom leve, aromático e frutado. A bebida acompanhava um cone de burrata, feito de manga verde e ervas amazônicas.
“A burrata veio de um produtor da cidade de Castanhal. Sempre evidencio a proveniência dos meus produtos. É muito importante que a gente também valorize esse produtor”, reforça Luna.
Depois o grupo provou uma coxinha de macaxeira feita com camarão seco e maionese de urucum, produzida localmente, em Santa Bárbara.
Na sequência, foi servido um jerimum (abóbora), com queijo coalho, assado na brasa e comprado de um assentamento também localizado em Santa Bárbara. Para harmonizar, o grupo tomou um vinho torrontés, que é feito de uma uva de origem argentina.
Piramutaba assada na brasa e batata ariá.
Marcus Passos/g1 Pará
Como prato principal foi colocado à mesa uma piramutaba assada na brasa, acompanhada de batata ariá, produzida na Ecovila Iandê. Também foi servido uma farofa com castanha do Pará, arroz e saladinha de feijão manteiguinha.
A sobremesa foi feita de cupuaçu orgânico, colhido na Ecovila Iandê, e uma compota de uva vermelha, também acompanhado de vinho.
“Finalizamos a harmonização com um vinho rosé argentino, que é uma uva mais potente. Precisávamos de mais potência pra poder acompanharmos todas essas informações gustativas que tínhamos no prato”, explica Luna.
Eduardo Araújo, administrador que mora em Manaus, fala dos pontos positivos do projeto
Eduardo Araújo, administrador que mora em Manaus e veio ao passeio acompanhado da namorada, diz ter ficado surpreso com a atmosfera do projeto e ao comer uma batata que nunca tinha visto.
“Achei uma ação super interessante para que a gente tenha contato com os pequenos agricultores, que consiga ver o trabalho deles e reconhecer sua importância para o sistema que a gente vive. Acho muito importante essa rede de empreendedorismo”, comenta o turista.
De acordo com a empresária Luna, experiências como essa mostram que é possível promover turismo de base comunitária, fortalecendo a identidade cultural e os pequenos negócios por onde o projeto passa.
“O que sempre me deixa muito feliz é ver a surpresa das pessoas ao perceberem que a gente pode beber bem, harmonizar com gastronomia amazônica, respeitando a natureza e evidenciando o trabalho de um pequeno produtor”, enfatiza Luna.
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Paixão pelo vinho e espírito empreendedor
A paixão pelo vinho da idealizadora do projeto surgiu quando Luna morou por alguns anos na Itália e na França. “Fui estudar gastronomia na Europa, porque eu sempre fui apaixonada por cozinha, mas acabou que eu tropecei no vinho e isso mudou totalmente a minha ideia”, conta.
Ana Luna Lopes, realizadora do projeto ‘Vinho Nômade’
Marcus Passos/g1 Pará
Formada pela Associação Italiana de Sommelier, Luna também tem estudos pela École Divan, de Paris. O retorno ao Brasil ocorreu por questões familiares. Quando já estava de volta a Belém, a empreendedora questionou por que as pessoas não bebiam vinho assim, como o grupo que visitou a comunidade de Genipaúba, em Santa Bárbara, fez.
“O vinho na Europa é alimento. Então, é um produto que está dentro da cesta básica, que faz parte do dia a dia das pessoas. Por aqui, via que era algo mais elitizado”, observou.
Isso foi o toque necessário para Luna aliasse o seu conhecimento técnico com o amor pelo vinho, pelo respeito à cultura paraense e a valorização do Pará.
“Então eu disse: tenho que mudar isso aqui. Criei um projeto que a gente traga as pessoas pra ver o que é que a gente tem de bom: Turismo, gastronomia, adaptado ao nosso clima”, relembra.
Agora, ela diz estar contente em saber que tem conseguido incorporar por meio dos vinhos o seu trabalho de sommelier, aliado à presença da comunidade. Ela afirma que a intenção é trazer pessoas para que participem desse movimento de energia, de cultura.
“As pessoas que trabalham conosco, pequenos produtores que trazem seus produtos, ficam muito surpresos quando nós transformamos seus insumos em pratos”, destaca.
A proprietária do restaurante Le Bistrot Açaí, situado em um casarão antigo, localizado na Feira do Açaí, no Complexo do Ver-O-Peso, diz que herdou esse espírito empreendedor dos pais.
“Sou uma pessoa muito dinâmica. Gosto muito de mudar o que estou fazendo e me gratifico vendo que posso fazer mais. Quando entro em um lugar, sempre vejo quais seriam as possibilidades comerciais daquele espaço. É uma característica minha”, compartilha.
Segundo a idealizadora do Vinho Nômade, nem tudo é um cenário ideal. A falta de apoio, de formação profissional e da inexistência de políticas voltadas para o turismo em algumas cidades são fatores que dificultam a realização do projeto.
“É um projeto muito difícil, eu articulo muitas situações, são muitas pessoas que trabalham com a gente, numa logística muito complicada”, afirma. Para ela, o apoio e parcerias com órgãos públicos e privados são fundamentais.
As edições que ocorreram em Soure, na Ilha do Marajó, e na vila de Algodoal, em Maracanã, contaram com o apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
“As edições mais complicadas, mais complexas por questão de logística, de distância, o Sebrae sempre esteve com a gente. Precisamos disso, de apoio, de uma visão muito mais aberta sobre o que é o vinho”, destaca Luna.
Luna Lopes fala sobre os desafios de ser um mulher empreendedora no Brasil
Luna também chama atenção para os desafios de empreender no Brasil, principalmente para quem vive na Região Norte e é mulher. Para a empresária, empreender também passa por atender como funcionam certos mecanismos que são entraves à inserção das mulheres no mercado de trabalho.
“Ser mulher que empreende na gastronomia e, especificamente, na área dos vinhos é ainda mais desafiador. Por isso, gosto sempre de ter mulheres que trabalham comigo, buscando desenvolver projetos que envolvam mulheres, para que a gente possa compartilhar experiências de trabalho e de vida, juntas”, explica.
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