Círio de Nazaré: entenda o que é, e como surgiu procissão que reúne mais de 2 milhões de pessoas no Pará

Reconhecido pelo Iphan e também declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, o Círio de Nazaré tem mais de dois séculos de existência; procissão vai tomar as ruas de Belém no domingo (13). Estação das Docas e complexo do Ver-O-Peso repleto de fiéis no Círio de Nazaré.
Marcelo Souza/Agência Pará
Há mais de dois séculos os paraenses saem em procissão para homenagear Nossa Senhora de Nazaré, em Belém, padroeira do estado. Do achado da imagem, em 1700, até a procissão que reúne mais de 2 milhões de fiéis no segundo domingo de outubro muita coisa mudou.
O g1 conversou com o historiador e cientista da religião Márcio Neco para entender um pouco mais da maior procissão católica do Brasil e maior procissão mariana do mundo, em devoção à figura de Maria.
Confira a página especial do Círio de Nazaré
Círio de Nazaré 2024: entenda os principais elementos da maior festa católica do Brasil.
g1
Aparição de Maria
Segundo Márcio Neco, os historiadores apontam o ano de 1700 como o ano do “achado” (aparição) da imagem de Nossa Senhora. Segundo a tradição, um pescador chamado Plácido encontrou a santa na beira de um rio, em Belém.
Por duas vezes ele teria levado a imagem para casa, mas no dia seguinte ela voltava misteriosamente para o mesmo lugar onde foi achada. Plácido, então, construiu no local uma pequena ermida – ou capela, na área conhecida como Largo de Nazaré.
Imagem original de Nossa Senhora de Nazaré, guardada atualmente no Glória da Basílica de Nazaré.
Paulo Santos / Acervo H / Panamazônica
O cientista da religião explica que o público se dirigia até aquela pequena ermida para levar seus votos, fazer seus agradecimentos e orações.
“Nós reproduzimos um pouco da experiência da aparição (achado). A nossa grande procissão reproduz a experiência de Plácido, pois conduzimos a imagem da Catedral até a Basílica todos os anos. De uma igreja a outra”, afirma.
Primeiro Círio
Segundo especialistas, o primeiro Círio ocorreu em 8 de setembro de 1793, no Brasil Colônia. A procissão foi instituída pelo então governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Maurício de Souza Coutinho.
Márcio Neco afirma que Francisco Coutinho percebeu que existia uma grande devoção acontecendo na cidade. Por ser católico, o governador vai também ser devoto de Nossa Senhora de Nazaré.
Círio de 1917, publicada no jornal Estado do Pará na mesma época.
Acervo
“Ele vai criar o Círio de Nazaré nos moldes do Círio de Portugal. No dia 7 de setembro de 1993 o governador vai a noite buscar a imagem para levá-la para a sua residência (Palácio do governo) de onde, no dia seguinte, pela parte da tarde, aconteceria o primeiro Círio”, diz.
Em 2024, as festividades do Círio terão, ao lodo, 14 procissões ao longo do mês de outubro. Porém, no século 18, a trasladação e o Círio eram as únicas procissões – que continuam até hoje.
A primeira (Trasladação), quando a Imagem era trasladada da capela para o Palácio do governo, e a segunda (Círio), no dia seguinte, que fazia o sentido inverso.
Neste última quarta-feira (9), ocorreu em Belém a primeira das 14 procissões feitas no mês de outubro: o Traslado dos Carros. A ideia da procissão, que surgiu em 2019, ocorreu pela representatividade dos carros de promessas como símbolos importantes da festa – confira no vídeo abaixo:
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Público de 10 mil pessoas
O cientista da religião Márcio Neco afirma que há registros de que o primeiro Círio contou com a participação de cerca de 10 mil pessoas, número bem modesto se comparado com as mais de 2 milhões de pessoas no Círio de 2023.
“A procissão era à tarde e é claro que o tempo fazia com que escurecesse nesse percurso, fazendo com que a imagem já chegasse de noite lá no então Largo de Nazaré. Numa Belém da época sem iluminação existia ali a utilização das velas”, diz.
E é justamente a utilização de velas que vem a origem do termo Círio. Etimologicamente, a expressão “Círio”, do latim cereus, significa uma grande vela de cera.
A corda
Um dos principais elementos usado para ligar fiéis à imagem de Nossa Senhora, a famosa corda, só passou a fazer parte do Círio em 1885.
Naquele ano, uma enchente alagou a orla do Ver-o-Peso no momento da procissão, fazendo com que a berlinda (carruagem especial decorada onde fica a Santa) ficasse atolada e os cavalos não conseguissem puxá-la.
Os animais foram desatrelados e um comerciante local emprestou uma corda para que os fiéis puxassem a berlinda. Desde então, a corda foi incorporada às festividades e passou a ser o elo entre a Imagem e os fiéis.
Círio de Nazaré 2024: Corda usada na festa rewligiosa chega a Belém
Juliana Alvarez/TV Liberal
A corda mede 800 metros e é utilizada no Círio e na Trasladação. Ela é era feita de sisal, uma fibra vegetal dura e resistente, feita no estado de Santa Catarina.
Porém, este ano, assim como em 2023, a corda foi produzida por uma composição de fibras de malva e juta, plantadas e cultivadas na região Amazônica. Ela chegou em Belém no início de setembro.
Márcio Neco lembra ainda que foi nesse período que o então bispo Dom Macedo Costa conseguiu mudar o local de saída do Círio
“Em 1882, o bispo vai negociar com o governador para que a Imagem saísse da Catedral da Sé (e não mais do Palácio do Governo). Isso simbolizava poder da igreja”, explica Márcio Neco.
Segundo o historiador, o Círio era controlado primeiramente pelo Estado e, depois, passou para a Irmandade de Nossa Senhora de Nazaré do Desterro, na figura da Igreja Católica.
“Claro que a igreja já participava também do Círio, porém só passou a ter mais controle a partir de 1910 com a criação da “Diretoria da Festa” – núcleo administrativo que faz o Círio.
Maior procissão religiosa do Brasil
Reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial pelo Iphan e declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, o Círio de Nazaré é uma cópia do Círio de Portugal, mas que ao longo dos tempos foi incorporando elementos da cultura dos povos da Amazônia.
A avaliação é de Márcio Neco. Para o cientista da religião, ainda hoje ocorre o Círio em Portugal, porém com proporção de fiéis bem menor que o Círio em Belém.
“Aqui o processo histórico nos levou a termos a maior procissão do Brasil e uma das maiores do mundo. Mas em outros estados temos grandes manifestações de fé, porém de formas diferentes”, explica.
Basílica Santuário de Nazaré lotada de fiéis durante o Círio.
Marcelo Seabra/Agência Pará
E para fazer com que uma procissão dessa magnitude funcione várias estratégias são adotadas por diferentes órgãos do estado, como fechamento de várias ruas, reforço no efetivo policial, desvio da rota dos ônibus.
“Durante toda a quadra nazarena nós estaremos com o efetivo policial de prontidão, segurança reforçada, acompanhando do Centro de Comando e Controle e também das câmeras de monitoramento todas as ações”, diz Ualame Machado, secretário de Segurança Publica.
Segundo o historiador Márcio Neco, tudo isso faz com que o Círio de Nazaré se torne um evento agregador de todos.
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