Pará é o estado mais “pardo” do pais: 70% da população se vê nesta denominação racial. Para pesquisadores, debater a cultura cabocla, afro e indígena na região é fundamental para a a defesa de pautas ambientais e cidadãs na Amazônia. Espetáculo Ypupyara, do Circuito Areté
Farley José
O Pará é uma terra cabocla. Encontro entre os povos indígenas e negros, os traços do paraense revelam sua ancestralidade, que se camufla por trás de termos como “pardo”, denominação que representa 70% da população – o maior percentual do Brasil, segundo o Censo mais recente. Em contrapartida, apenas 1% das pessoas se autodeclara indígena no estado e 9% negra. E qual a importância de debater a racialidade na Amazônia? O g1 conversou com pesquisadores a respeito do tema neste sábado (12), quando a América Latina celebra o Dia da Raça, ou melhor, Dia da Resistência Indígena. Em toda a região, a data foi ressignificada, tendo sido, originalmente, atribuída à celebração da chegada de Cristóvão Colombo às Américas – ou o “Dia da Hispanidade”.
📲 Acesse o canal do g1 Pará no WhatsApp
“Percorrer a genealogia do campo das relações raciais na Amazônia é necessariamente percorrer a história do processo de oclusão desse debate neste contexto. Esse ponto nos fala, ao mesmo tempo, sobre os efeitos do apagamento da presença negra na Amazônia e sobre as dificuldades, que ainda persistem e ultrapassam a região, para que as questões, violências e violações crescentes, relacionadas às populações indígenas brasileiras, sejam incorporadas expressivamente no debate sobre racismo no país”, diz a antropóloga amazônida Telma de Sousa Bemerguy, doutoranda pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Artista e pesquisador Luiz Caboclo de Cobre
Almirante Farley
O Pará tem mais de 80 mil indígenas e concentra mais de 55 etnias – uma das maiores do país -, falantes de três dezenas de idiomas dos troncos linguísticos Karib, Macro jê, Pano, Nheengatu, Tupi, Juruna, Munduruku, entre outras. Uma cultura profunda que atravessa as gerações atuais e forja diversos aspectos da vivência na região, como como a linguagem, a culinária, a cerâmica, a dança, o canto, as sabedorias milenares de usar as ervas da mata para a cura de doenças, a espiritualidade, a relação com a natureza e com o coletivo.
O cenário, para o pesquisador, ativista e artista Luiz Guimarães, o Caboclo de Cobre, aponta que é urgente refletir e debater sobre as identidades raciais e culturais dos povos do Brasil e, em especial, da Amazônia. “Já passou da hora de o corpo indígena ser acolhido como corpo presente, e não como estrangeiro ou extraterrestre”, destaca.
“Este não é um país de brancos e pretos, este é um país de indígenas, negros, pardos e brancos. O racismo estrutural que atinge a comunidade negra é a mesma que abate os corpos indígenas. Neste sentido, para construirmos uma nação com justiça social, o indígena tem que ocupar o seu lugar, rompendo distanciamentos coloniais, e quebrando estereótipos que nos colocam à margem do tempo, da história, da política e do direito à cidade”, defende Caboclo de Cobre cujos estudos sobre a vivência afro-ameríndia no Brasil culminaram, há dez anos, na criação do Aldeia Coletivo, fundado em Salvador, em 2014 – um dos poucos grupos da Bahia a se debruçar sobre o assunto.
A retomada ancestral
Em uma insurgência pelo reconhecimento das identidades brasileiras e a partir da perspectiva artística de pessoas indígenas e negras, nasce o Circuito Areté – Tempo de Festa, idealizado pelo Aldeia Coletivo e pela Giro Planejamento Cultural, da Bahia, com participação do coletivo Wetçamy de Palmeira dos Índios, de Alagoas.
Circuito promove debates em escolas com caciques e educadores indígenas
Farley José
O Circuito Areté chega a Belém com programação de 24 a 27 de outubro, e apresenta a cultura cabocla como forma de salvaguardar a memória dos povos originários brasileiros e incentivar a produção de conhecimento ancestral, lançando para a sociedade um olhar de reparação social, patrimonial, histórica e ambiental.
O circuito apresenta a simbologia, a beleza visual e a musicalidade dos povos indígenas e caboclos através da arte como forma de se conectar com diversos públicos o que colabora para a preservação desse legado da cultura brasileira.
Como patrocinadora do projeto Circuito Areté, a Petrobras, por meio da por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), apoia a cultura brasileira como força transformadora e impulsionadora do desenvolvimento.
“O apoio a atividades culturais como o Circuito Areté contribui de forma relevante para a economia criativa, promovendo o conhecimento, a inovação e a sustentabilidade. A companhia tem orgulho de valorizar as vocações regionais e apoiar a pluralidade de manifestações que fazem nosso país ser tão único”, destaca Milton Bittencourt, Gerente Patrocínios Culturais da Petrobras.
Proteção da Amazônia
O Circuito Areté chega à região Norte no contexto de crise climática global, sendo a Amazônia um dos territórios mais atingidos. De 24 a 27 de outubro, o projeto traz apresentações musicais, espetáculos cênicos e vivências indígenas na Escola de Samba da Matinha, no Na Figueredo, no Espaço Cultural Apoena, além de escolas públicas e instituições. Todas as ações são gratuitas.
A programação conta com debates capitaneados pelo Cacique Idyarrury e pelo educador Guerreiro Idyarony, que circulam estados do Brasil levando uma narrativa decolonial da história a partir da perspectiva dos povos indígenas e do seu modo de vida nos dias atuais.
Para Caboclo de Cobre, fortalecer o debate sobre a presença indígena e cabocla na região é importante para destacar o papel dos povos originários e da sociedade civil da Amazônia em debates como a COP 30, evento mundial sobre meio ambiente que será sediado em Belém em 2025.
“As culturas indígenas, assim como os movimentos ancestrais de África, são em essência filosofias ambientalistas, que dialogam diretamente com o sentimento da Mãe Terra. O papel dos povos originários neste cenário é a permanência milenar em defesa do bem comum, uma resistência em proteção do meio ambiente, que se mantém mesmo diante da apatia da urbanidade”, diz.
Movimentando a economia criativa ao conectar dois coletivos artísticos, comunidades tradicionais, artistas, pesquisadores e escolas, o circuito busca uma lógica não-predatória e sustentável de relação com a natureza, por meio da arte como ferramenta de sensibilizar o público para pautas ambientais.
Serviço:
“CIRCUITO ARETÉ – Tempo de Festa” traz programação a Belém de 24 a 27 de outubro, na Escola de Samba da Matinha, no Na Figueredo e no Espaço Cultural Apoena, além de escolas e instituições. Entrada franca. Confira mais informações nas redes sociais do projeto (@aldeiacoletivo).
Dia da Raça: por que debater a identidade afroindígena é central para o fortalecimento da Amazônia?
Adicionar aos favoritos o Link permanente.