Há quase 40 anos, a maricultura em Florianópolis transforma a economia local e gera milhares de empregos na produção de ostras – Foto: Divulgação
A maricultura movimenta a economia catarinense. São centenas de empregos atrelados ao processamento, à distribuição e ao comércio de ostras. Inclusive, somos o maior produtor nacional e responsável por praticamente tudo o que é consumido no país. O mais surpreendente desses números é que a atividade econômica nem existia algumas décadas atrás.Nossa relação com o mar é histórica e por centenas de anos retiramos dele a sobrevivência e o sustento de muitas gerações. São 531 km de litoral que, por muito tempo, estiveram a serviço do extrativismo mas que, por uma necessidade de geração de mais renda aos pescadores, forçou o catarinense a olhar de uma forma diferente para este território.
Foi em Santo Antônio de Lisboa, em Florianópolis, que tudo começou. Há quase 40 anos, as primeiras sementinhas de ostras e ideias foram plantadas no mar e o que parecia um naufrágio anunciado se transformou em um oceano de oportunidades.
A maricultura virou negócio no estado a partir de um trabalho de pesquisa na Universidade Federal de Santa Catarina – a experiência de outros países com o cultivo de ostras foi trazida pelo professor Carlos Rogério Poli.
Hoje, o pesquisador aposentado coleciona memórias de uma vida inteira dedicada às ostras. Ele conta que a primeira remessa de sementes chegou na Capital em 1983 e deu tudo errado porque as ostras gigas, originárias do Japão, tiveram a importação do Chile vetada pelo Ministério da Agricultura e o que parecia ser trágico foi bom. Isso porque ela chegou em uma “época errada”, durante o verão.
O professor explica que se a semente tivesse começado no verão, teria morrido. Ela tinha muita possibilidade de ser criada porque a região era fria e a frustração fez com que eles insistissem em uma nova remessa – e foi assim que conseguiram importar novas sementes, na melhor época possível, quando a água estava começando a esfriar.
Pesquisas comprovaram que além da temperatura ideal a Baía Norte da Ilha oferecia a elas uma quantidade ideal de plânctons, um alimento propício para o crescimento da espécie. Décadas depois, tudo que se é plantado neste mar, seja no Norte ou no Sul da Ilha, sai do laboratório de moluscos marinhos da Universidade Federal. Já estamos na segunda geração de maricultores que colhem o sucesso do trabalho científico que transformou Florianópolis no maior produtor de moluscos do país.
A maricultura movimenta a economia catarinense. São centenas de empregos atrelados ao processamento, à distribuição e ao comércio de ostras – Foto: Divulgação
Pelo menos 97% de todas as ostras que são consumidas no Brasil saem de Florianópolis. O responsável técnico Mauro César de Almeida explica que o maior valor agregado que pode haver em uma ostra é o fato de ela estar viva e chegar viva no cliente – o que requer uma logística muito aprimorada.
Os produtores têm que receber o pedido na véspera e a ostra é retirada do mar muito cedo, depois os procedimentos de limpeza são efetuados rapidamente, pois os horários são muito rígidos porque as ostras viajam de avião e há toda uma logística na outra ponta. Elas são retiradas no aeroporto e levadas até o cliente. Todo esse procedimento gera mais de 1.500 mil empregos, e que fez chegar no último ano milhares de dúzias em diferentes estados da Federação.
Investimento em pesquisa e qualidade
Que as ostras de Florianópolis são reconhecidas nacionalmente, já é público e notório. Mas isso não é um trabalho isolado da Universidade, que fornece sementes, e nem dos maricultores, que cultivam e vendem; o processo envolve pesquisa e monitoramento de órgãos públicos, investimento em qualidade, segurança e empreendedorismo dos catarinenses.
Se é na calmaria do mar entre a ilha e o continente que estão as melhores condições para o cultivo das ostras de Florianópolis, é na rua principal do Bairro Ribeirão da Ilha que a arquitetura portuguesa divide protagonismo com os pratos à base do molusco.
Dário Gonçalves foi um dos primeiros empreendedores a descobrir a potencialidade da região e conta que abriu o restaurante para vender as ostras que tinha, até que um cliente perguntou para sua esposa se não tinha como ela preparar as ostras. No outro dia ela colocou um fogareiro no estabelecimento e começou a fazer ostra ao bafo para quem chegava e 27 anos de muito sucesso e amor pela cozinha se passaram.
Assim como no restaurante da família Gonçalves, há dezenas de outras opções à beira do mar com vista privilegiada para as fazendas marinhas. Um negócio lucrativo para empresários, atrativo para turistas e visitantes, e extremamente seguro para consumidores. Ao longo dos anos, maricultores, governo, instituições e órgãos de pesquisa desenvolveram uma cooperação que serve de exemplo para o país.
Além de sermos o primeiro estado da federação a implantar um sistema de monitoramento para controle higiênico-sanitário de moluscos, com análise constante da qualidade da água, avançamos cada vez mais no cumprimento de práticas, com diretrizes internacionais para controlar riscos relacionados à presença de toxinas – como é o caso da maré vermelha e poluição nas áreas de cultivo.
Pelo menos 97% de todas as ostras que são consumidas no Brasil saem de Florianópolis – Foto: Divulgação
Enquanto as análises são realizadas no IFSC de Itajaí, outras frentes são desenvolvidas pela Epagri, como estudos ambientais, educação de maricultores e apoio à implantação e adequação de estabelecimentos às diretrizes legais.
“- Existe um programa de controle sanitário que visa assegurar a qualidade das ostras, os mexilhões que são produzidos no Brasil todo e em Santa Catarina também. Uma das exigências é a depuração de animais produzidos em áreas que podem ter algum risco e ela tem justamente o objetivo de garantir a qualidade pro consumidor. A gente está desenvolvendo um protótipo para fazer isso ocupando o menor espaço possível, que pode ser numa peixaria ou em um restaurante” – explica Robson Ventura, pesquisador na Epagri.
Segundo ele, a depuradora atua como um aquário, onde as ostras, coletadas de fazendas marinhas, são colocadas em um ambiente controlado. Durante aproximadamente 42 horas, elas permanecem nesse aquário com água limpa, filtrando a água salgada.
Nesse processo, as ostras liberam o conteúdo de seus intestinos, permitindo que qualquer bactéria ou impureza ingerida no ambiente marinho se deposite no fundo da depuradora. Para garantir ainda mais segurança, a água é tratada com um sistema de filtragem por ultravioleta, que elimina essas bactérias. Após esse ciclo, as ostras estão prontas e seguras para o consumo.
Agora, a expectativa do Governo do Estado é pelo primeiro selo de indicação geográfica no setor da aquicultura e pesca. Para o Sebrae, parceiro na conquista, além da visibilidade da marca Ostras de Floripa como atrativo turístico, o selo ainda pode inspirar novos negócios e ganhos na dinamização da gastronomia, no empreendedorismo criativo, mais atento e cuidadoso com o produto único em seu território.
Práticas mais sustentáveis
Quem trabalha com o mar compreende a importância de preservar um ambiente saudável. Por isso, os maricultores catarinenses estão investindo cada vez mais em boas práticas de sustentabilidade. Essa iniciativa inspirou um grupo de alunas a desenvolver uma solução inteligente para utilizar os resíduos da maricultura na construção civil.
Foi em um cantinho localizado no extremo Sul da Ilha, na Caieira da Barra do Sul, que Vinícius Ramos transformou a casa de praia da família no Paraíso das Ostras. A fazenda marinha que está entre as cinco maiores produtoras do Brasil nasceu para ser diferente, com um objetivo bem claro: convidar o consumidor final para saber os bastidores de como funciona a fazenda marinha.
Fora dos padrões da época e dentro de todas as regras sanitárias, ela também foi pioneira na aquisição do selo de inspeção municipal e recentemente recebeu a certificação de estação depuradora. Como se não bastasse uma lista generosa de boas práticas, exerce um protagonismo em ações ESG – que levam em conta o compromisso da empresa com o ambiental, social e governança. É a única fazenda marinha, por exemplo, com um veículo elétrico.
Além disso, a empresa promove um impacto social ao ressocializar detentos. Ela mantém um convênio com a penitenciária, permitindo que os detentos trabalhem durante o dia e retornem à unidade prisional à noite.
Outra preocupação é a gestão dos resíduos, já que a perda na produção pode chegar a 50%. Ao longo de 20 anos, a empresa firmou várias parcerias, sendo a mais recente com um projeto do Instituto Federal de Santa Catarina.
A maricultura movimenta a economia catarinense. São centenas de empregos atrelados ao processamento, à distribuição e ao comércio de ostras – Foto: Divulgação
Um grupo de alunas está dedicando esforços para encontrar um destino adequado para os numerosos cemitérios de conchas espalhados pela Ilha. O objetivo, segundo Claudia Lira, professora e orientadora do projeto, é agregar valor para um resíduo que seria jogado fora e fazer dele um projeto que possa ser comercializado.
Com a orientação da professora, as alunas buscaram maneiras de criar um produto sustentável a partir das conchas descartadas. Juntando esses materiais com plástico também destinado ao descarte, elas conseguiram produzir placas semelhantes ao mármore.
O protótipo saiu e chamou atenção de Andrea Betioli, professora do departamento de construção civil. A professora trabalha no departamento de pesquisa em argamassas e concretos. Ao navegar pelo Instagram, ela encontrou um projeto do IPS que moía ostras e pensou: “Por que não usar esses resíduos de concha em argamassas e concretos, substituindo areia e cimento?”. Com o foco na sustentabilidade, foram realizados cerca de 30 testes até chegar à receita ideal, que combina cimento, areia, pó de concha e água. O resultado é uma placa cimentícia, apenas um pequeno passo em um longo caminho de oportunidades que as alunas estão criando.
A mistura de partículas grossas de concha com o pó fino também chamou a atenção de outra pessoa, a arquiteta Karol Stolf, que projetou o ambiente Casa Concha para a CASACOR, em Florianópolis.
A arquiteta Karol Stolf é responsável por projetar o ambiente Casa Concha para a CASACOR, em Florianópolis – Foto: Divulgação
E quando se descobre o processo de produção da ostra catarinense, que sai do mar e chega à mesa de muitos brasileiros, ela fica ainda mais saborosa – mais um exemplo de uma cadeia produtiva que transforma vidas e faz do estado uma referência nacional.
Para saber mais sobre a produção de ostras em Santa Catarina, assista na íntegra ao episódio do programa Agro, Saúde e Cooperação. O projeto, desenvolvido pelo Grupo ND, tem parceria com a Ocesc, Aurora, SindArroz Santa Catarina, Sicoob e Fecoagro.
Florianópolis: a capital nacional das ostras e a revolução da maricultura
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