Pedido de declaração de emergência em saúde por contaminação do rio Tapajós por mercúrio passa de 100 dias em análise no MS


Demora deixa apreensivas as populações que vivem na bacia do Tapajós, em especial, o povo indígena Munduruku. Imagens de satélite mostram pluma de sedimentos de garimpos no curso do rio Tapajós
Observatório do Clima
Emitida há mais de 100 dias pela Procuradoria da República de Santarém, oeste do Pará, a Recomendação Nº 01, de 19 de abril de 2023, que pede ao Ministério da Saúde, declaração de “Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional tocante à contaminação mercurial na bacia do Rio Tapajós”, segue em compasso de espera.
O MPF estabeleceu o prazo de 30 dias úteis para que a Secretaria de Vigilância em Saúde respondesse se atenderia a recomendação, mas até agora, a única resposta que o órgão recebeu do Ministério da Saúde é de que a Recomendação está sob análise da instituição, para verificação de quais providências serão tomadas.
No dia 5 de maio, após receber novamente a Recomendação, desta vez, por meio da Procuradoria Geral da República, a Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente informou que a demanda foi redirecionada ao Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental para desenvolver um plano de descontinuidade do uso de mercúrio na mineração artesanal de ouro na região, a fim de seguir as recomendações presentes na Convenção de Minamata, da qual o Brasil também é signatário. A Convenção foi assinada pelo Brasil em 2013.
O Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador (DSAST) por sua vez, encaminhou a demanda à Coordenação-Geral de Vigilância em Saúde do Trabalhador, que em 22 de maio deste ano, respondeu ofício ao DSAST, que para o desenvolvimento de tal plano é necessária a articulação interministerial, pois a mudança do processo produtivo precisa ser acompanhada de apoio técnico e de incentivo no âmbito social e econômico para uma implementação efetiva.
A Coordenação-Geral de Vigilância em Saúde do Trabalhador informou ainda que, o plano de descontinuidade do uso do mercúrio poderia ser aplicado somente à mineração artesanal legal, e que a condução para encerramento do garimpo ilegal em território indígena Munduruku não cabe ao setor saúde.
A elaboração de plano de descontinuidade do uso do mercúrio na bacia do Tapajós é apenas um de um total de 8 pedidos feitos pela Procuradoria:
desenvolvimento de plano de descontinuidade do uso de mercúrio na mineração artesanal de ouro na região;
elaboração de Plano de Manejo de Risco para as populações cronicamente expostas ao mercúrio;
monitoramento sistemático dos níveis de mercúrio na população Munduruku;
monitoramento clínico sistemático de possíveis alterações neurológicas decorrentes dos altos níveis de mercúrio no organismo;
criação de programa específico de saúde, que tenha como objetivo reduzir o risco da exposição das mulheres em idade fértil a altos índices de mercúrio no organismo;
criação de programa de orientação dietética para minimizar exposição ao mercúrio;
criação de espaço de diálogo entre a população Munduruku e as instituições de saúde, para juntos compreender e intervir na proteção da saúde no contexto da problemática do mercúrio; e
emprego da Força Nacional do Sistema Único de Saúde, com o fim de realizar a testagem compreensiva da população exposta à contaminação por mercúrio e, assim, possibilitar a realização de diagnóstico minimamente concreto da gravidade da exposição.
Expedida pelo procurador da República Gabriel Dalla Favera de Oliveira, no inquérito civil instaurado pelo MPF para apurar as causas da contaminação por mercúrio do povo Munduruku, a recomendação busca a prevenção e tratamento, e a eventual responsabilização do Estado por omissão.
Dois estudos realizados para aferir os índices de contaminação por mercúrio incidentes no povo Munduruku foram anexados pelo MPF à Recomendação. No primeiro deles, de autoria, entre outros, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Imperial College London, verificou-se que a análise dos níveis de mercúrio para os 197 participantes que cederam amostras de cabelo revela uma prevalência de contaminação de 57,9%.
Altos índices de contaminação
Com relação às crianças e adolescentes, o estudo demonstra que sete em cada dez crianças e adolescentes de dez a 19 anos, apresentavam índices de mercúrio acima de 6μg.g-1. A cada dez crianças menores de cinco anos, quatro apresentavam elevadas concentrações de mercúrio nas amostras de cabelo analisadas. Na aldeia Sawré Aboy, oito em cada dez crianças menores de 12 anos também apresentavam altas concentrações do metal.
lmagens de satélite da Terra Indígena Munduruku mostram área de garimpo em 2017 (esquerda) e em 2022, com mais vegetação degradada
Reprodução/EOS Data
O estudo relata ainda que, quanto aos peixes examinados, os achados não deixam dúvidas de que os indígenas residentes nas aldeias investigadas ingerem pescado contaminado por mercúrio em concentrações muito acima dos limites reconhecidos internacionalmente como seguros. Portanto, encontram-se sob risco permanente de adoecer, devido aos efeitos tóxicos do mercúrio no organismo.
A recomendação do MPF menciona também que, conforme laudo formulado pela Polícia Federal e pela Universidade Federal do Oeste do Pará, a mineração ilegal de ouro promove o despejo de mercúrio equivalente a uma barragem da mineradora Samarco, em Mariana (MG), a cada 11 anos no leito do rio Tapajós. Também se estima que até 221 toneladas de mercúrio são despejadas anualmente em decorrência de mineração e garimpagem ilegais no Brasil.
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Saúde indígena em risco
Sem uma ação efetiva do governo para retirar os garimpeiros da terra indígena Munduruku, no município de Jacareacanga, sudoeste do Pará, aumenta a preocupação dos indígenas com doenças e as dificuldades de acesso aos serviços de saúde.
VÍDEO: Cléo Munduruku
“Não estamos muito bem de saúde por conta aqui do território tá tempo muita área de invasão de garimpagem e a gente tá numa situação bem difícil. Venho pedir se vocês podem nos ajudar na questão de melhoria da saúde do nosso povo. É muito triste a gente ver a saúde do nosso povo assim. Tá tempo muitos casos de malária, vômito, diarreia e falta muita medicação no nosso território. Não tem posto de saúde e nem voadeira pra levar os parentes para atendimento na cidade”, relatou a jovem liderança indígena da TI Munduruku, Cléo Munduruku.
A jovem liderança clama também às autoridades que retirem os garimpeiros invasores das terras indígenas do baixo tapajós. “Eu peço a vocês, que retirem a invasão do nosso território, porque é através do garimpo que vem a contaminação. É pelo peixe que a gente se alimenta que vem o mercúrio e nosso povo fica doente. É muito triste essa situação”.
Crianças Munduruku em águas aparentemente contaminadas por rejeitos de mineração ilegal em novembro de 2022
MPF/Reprodução
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