Projeto de exposição coletiva propõe trazer protagonismo à fotografia da Amazônia na COP-30


Sediar a COP-30, o maior evento global de debate sobre questões climáticas, volta os olhos do mundo para a Amazônia. Belém vai receber ativistas, líderes políticos e visitantes dos quatro continentes em 2025. Para Karina Jucá, produtora cultural sediada na Europa, não poderia haver melhor momento para trazer o protagonismo aos artistas da região. “A ideia é transgredir a narrativa, mostrar que aqui na Amazônia produzimos arte contemporânea e temos autonomia cultural e intelectual”.
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Jucá, que desde 2019 desenvolve iniciativas de intercâmbio cultural entre Brasil e França, está à frente do projeto “Belém, Paris n’America: Amazônia desconhecida”, que culmina em uma exposição coletiva de fotógrafos do Pará, reunindo obras de artistas como Luiz Braga, Elza Lima e Paula Sampaio, e irá ocupar diversos pontos da cidade durante o evento de meio ambiente. Em parceria com curadores de São Paulo e da França, a exposição também vai percorrer o sudeste do Brasil e Paris.
Karina Jucá
Narjara Oliveira
“O ‘Belém Paris n’America’ é uma exposição de fotógrafos de Belém, que é a principal capital da Amazônia, na minha opinião, é a mais relevante do ponto de vista da produção cultural e intelectual. E o projeto vai desenvolver eventos paralelos. Esse tema é um gancho para falar da arte contemporânea, do que está sendo produzido aqui. Para falar da Belle Époque sob a perspectiva dos amazônidas”.
Karina Jucá é escritora e diretora artística desde 2003, principalmente no contexto da música brasileira no período mais efervescente da cena de Belém do Pará, quando integrou a equipe de idealizadores e realizadores do “Terruá Pará”. Publicou um livro de ensaios sobre a obra de um dos mais importantes escritores da Amazônia, Vicente Cecim, premiado e publicado em 2010 pelo Instituto de Artes do Pará com prefácio da filósofa Márcia Tiburi (professora em Paris 3).
Vive em Paris desde 2019, onde faz curso de História da Arte na Ecole des Beaux Arts do Petit Palais. Em 2022 criou em Paris a produtora Rouge Brésil com o objetivo de estreitar as relações culturais e entre o Brasil e a França, e cujo primeiro projeto é o Brésil Beyond, que realiza shows de artistas brasileiros em Paris.
“Nosso propósito é ser uma agência de intercâmbio cultural entre a França e o Brasil. Mas especialmente, destacando a Amazônia, que é de onde eu venho e que é a menos contemplada do ponto de vista a da produção contemporânea. E, também por um viés político, quero dar destaque para essa região tão ameaçada e cobiçada”, destaca.
Confira, a seguir, o bate-papo com Karina Jucá e conheça sobre o projeto que busca lanças holofotes apara a produção da fotografia na Amazônia na COP-30.
Karina, a partir da tua vivência enquanto nortista, enquanto brasileira, atuando na produção cultural na França: como a cultura amazônica é vista na Europa? Temos uma produção de arte contemporânea muito potente.
Nem precisa ir tão longe, até a Europa. Aqui mesmo no Brasil, no sudeste, sul, a gente sabe que a Amazônia é vista só do ponto de vista do patrimônio natural, e não como patrimônio humano, cultural. Isso é uma construção ideológica e não simplesmente algo fruto da ignorância. Afinal, é preciso manter os amazônidas fora do discurso para poder continuar dominando e se servindo desse patrimônio. Um dos exemplos que que a gente pode citar: o Raoni [Metuktire, líder indígena brasileiro da etnia kayapó] ocorreu duas vezes ao Nobel da Paz e perdeu as duas vezes para Barack Obama [ ex-presidente dos EUA], que foi o presidente da república norte-americana que mais fez guerra em toda a história dos Estados Unidos – que a gente sabe que não é um país pacífico, pelo contrário, é um país belicoso, que vive da indústria armamentista. Então por que Raoni não foi premiado? Porque o indígena não pode ter voz. Não interessa que as pessoas que estejam pensando aqui, na Amazônia, também sejam conhecidas no mundo.
Obra de Luiz Braga: Barqueiro Azul em Manaus, 1992
Luiz Braga
Então essa visão colonizadora sobre a Amazônia permanece aguda ainda no mundo contemporâneo?
Na Europa existe muita curiosidade sobre Amazônia, porque, como eles chegaram a um patamar de técnica e urbanidade que, de alguma forma, eles têm a nostalgia desse aspecto mais telúrico, da natureza, algo que remete mais a um inconsciente coletivo eles têm de modo geral. E essa preocupação ambientalista surge porque a Europa tem consciência de que os recursos são finitos e como e eles chegaram a essa loucura de hiperconsumo, eles chegaram ao momento em que precisam fazer contenção de danos e que a Amazônia é um últimos rincões de patrimônio natural. Há, então, principalmente a cobiça pela biodiversidade. Por exemplo, a gente já não tem antibióticos, os que existem não fazem mais efeitos. E existe uma cobiça pelos nossos lençóis freáticos. Temos o maior aquífero. Então as pessoas estão atrás do novo petróleo, a água é o novo petróleo do século 21. Então existe essa fascinação pelo imaginário, pelo o que eles perderam ao longo desse processo civilizatório e essa cobiça pelos nossos recursos naturais, e obviamente essa preocupação ecológica que está no topo das discussões no mundo porque é um problema real a ser resolvido a curto prazo. Então a Amazônia é um tema, mas sempre de uma perspectiva paternalista, do que imaginar que existem pesquisadores, artistas, produtores de conteúdo com autonomia cultural e intelectual como há em outros lugares do mundo.
Obra de Paula Sampaio do projeto “Antônios e Cândidas têm sonhos de sorte”
Paula Sampaio
Você tem uma trajetória como produtora cultural no Brasil, e desenvolve projetos na França, voltados a abrir vitrines para a cultura nacional. Como isso começou?
Depois de trabalhar em diversos estados, morei uma temporada em São Paulo, onde casei com um diplomata francês e, quando o isolamento da pandemia flexibilizou, vim morar em Paris. Ali, eu precisei me reinventar, precisava abrir um campo de trabalho. Mas eu sempre observei muito as oportunidades da cultura nacional. E foi quando eu pensei: poxa, eu já faço isso de alguma forma. Trabalhei muitos anos com Paulo André Pires, o cara que mais viajou o mundo em turnê com banda brasileira, já que ele produziu o Chi Science Nação Zumbi; Paulo fez o primeiro festival música indie do Brasil, o Abril Pró-Rock. Com ele, aprendi muitas lições de empreendedorismo na área cultural, e também colaborei nos projetos. Então eu entendi que tinha uma matéria–prima maravilhosa na mão que é a cultura brasileira, e que na verdade não chega em Paris. Esse é um gargalo: a dificuldade de tocar em Paris. Pensei: já que estou aqui, então eu vou procurar buscar um espaço para oferecer essa vitrine para os músicos brasileiros que tão passando pela Europa e não têm lugar pra tocar em Paris. A ideia era oferecer uma vitrine chique da música brasileira em Paris. Então eu fui procurar lugares que tivessem a ver com a proposta para reposicionar a música brasileira na França, diante de um público formador de opinião, de influência e poder aquisitivo. Achei um lugar maravilhoso, o Serpent a Plume, que fica na place des Vosges, a primeira praça de Paris. Foram meses de negociação com o gerente até conseguir conquistar a confiança e fazer acontecer o projeto Brésil Beyond. Esse é o primeiro produto da minha produtora, que crio em 2022, a produtora Rouge Brésil. Já realizamos três edições do Brésil Beyond. Foram shows com Saulo Duarte, Bruno Capinam e Silvia Machete. Então foi muito simbólico colocar a música brasileira ali no marco zero de Paris. Esse foi o ponto de partida. Mas a menina dos meus olhos é o “Belém Paris n’America”, que estamos desenvolvendo para a COP-30.
Obra de Elza Lima
Elza Lima
O que é o projeto “Belém Paris n’America”? Em que ele consiste? Qual a proposta dessa iniciativa diante desse olhar ainda exótico sobre a Amazônia?
Esse projeto foi criado há anos e tem sido desenvolvido de forma paralela aos demais, porque é um trabalho gigante, com participação de muita gente. O Belém Paris n’America tem como destaque uma exposição coletiva de fotógrafos. Por que a fotografia foi escolhida centro do projeto, que também vai trazer outros eventos paralelos? Porque a nossa cena de fotógrafos contemporâneos é muito consistente. A partir da Fotoativa, que teve um papel de formação desses olhares nas oficinas do Miguel Chikaoka. Então nossa fotografia na Amazônia é muito forte com nomes relevantes e de muito potencial no mercado de arte internacional. Cada um dos fotógrafos que fazem parte da coletiva tem uma linguagem, e vamos coloca-los em diálogo, mostrando essa diversidade criativa. O projeto procura fazer ao mesmo tempo, uma provocação decolonial, mas não no sentido militante tolo, mas que vá na profundeza, já que esses fotógrafos têm formação acadêmica, pesquisa, portanto, isso necessariamente implica que eles tenham também uma influência europeia, atlantista, norte-americana. Na verdade, o projeto é uma espécie de transgressão mais do que revolução. Porque a transgressão, no sentido etimológico, é passar ao largo. Isso quer dizer que você não vai, necessariamente, confrontar, mas você vai seguir passando ao lado, ultrapassar limites, inundar. Então, quando você une Belém, Paris e América, todos esses elementos conversam e têm que conversar.
Então o “Belém Paris n’America” é uma exposição de fotógrafos de Belém, que é a principal capital da Amazônia, na minha opinião, é a mais relevante do ponto de vista da produção cultural e intelectual. E o projeto vai desenvolver eventos paralelos. Esse tema é um gancho para falar da arte contemporânea, do que está sendo produzido aqui. Para falar da Belle Époque sob a perspectiva dos amazônidas. É como se fosse um novo Fitzcarraldo [filme de Werner Herzog, que narra a epopeia de um aristocrata europeu para realizar seu sonho de construir uma casa de ópera na selva amazônica]: o colonizador que vai para a floresta, tentando criar uma casa de ópera. Mas propomos um “Fitzcarraldo” às avessas: nós que iremos até lá levar nossa narrativa, nossa cultura. Queremos contar a Belle Époque da perspectiva dos amazônidas, séculos depois.
Então para contextualizar essa provocação, é importante que haja também podcasts falando da época, curiosidades, apresentando o que é produzido aqui na arte; e teremos também mostra audiovisual, com curadoria do Eduardo Souza, do Instituto Cultural Amazônia Brasil, que tem vinte anos de pesquisa sobre cinema na Amazônia e um dos acervos mais relevantes do mundo sobre o tema.
E esse projeto, então, foi pensado para estrear na COP-30? Como será?
A nosso propósito é ser uma agência de intercâmbio cultural entre a França e o Brasil. Mas especialmente, destacando a Amazônia, que é de onde eu venho e que é a menos contemplada do ponto de vista a da produção contemporânea. E, também por um viés político, quero dar destaque para essa região tão ameaçada e cobiçada. Nada mais pertinente que trazer este debate para o momento no qual o mundo estará na Amazônia, que será durante a COP-30, em 2025, no maior evento climático. A ideia é ocuparmos diversos espaços com as fotografias, espaços públicos, ruas. E, além de mim, que sou idealizadora e curadora, também estarão comigo um curador do sudeste e um curador de Paris, já que o projeto vai circular por Belém, São Paulo e França. Está na equipe também o museógrafo Adrien Gardère, que é uma das estrelas da museografia internacional. Atuou no Museu do Louvre e acaba de entregar o Museu de Cluny, que é o museu da Idade Média e que ele esteve à frente da restauração, e teve vários projetos premiados. Ele vai assumir a museografia desse evento que pretende ocupar.

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