Revolução de 1930: Florianópolis foi o último reduto antes de Getúlio Vargas tomar o poder

Há exatos 94 anos, Florianópolis viveu os dias mais tensos, dramáticos e trágicos do movimento revolucionário da primeira metade do século passado, durante a Revolução de 1930, com combates sangrentos, prisões, perseguições e torturas. A capital catarinense foi o último reduto da República Velha, portanto, a trincheira final dos legalistas a ser abatida pelos revolucionários contra o presidente Washington Luís.

Capital catarinense foi o último reduto da República Velha – Foto: Reprodução/ND
A vitória do movimento resultou, em primeiro lugar, do fim da era hercilista, que comandou o Estado durante toda a antiga República, pela liderança de Hercílio Luz, por expressões políticas por ele apoiadas e integrantes de seu PRP (Partido Republicano Catarinense, 1894-1930).E, consequentemente, o início do ciclo comandado pelos Ramos, inicialmente por cerca de 15 anos, e depois por sucessores, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, com Aderbal Ramos da Silva e Celso Ramos.
É curioso observar que as tropas lideradas por Getúlio Vargas já tinham atravessado de trem todo o território catarinense, em direção ao Rio de Janeiro, onde chegaram em 24 de outubro de 1930. Ainda assim, Florianópolis resistia e só no dia 25 de outubro o general Assis Brasil assumiu oficialmente o comando do Estado no lugar de Fúlvio Aducci.Também em outubro, Santa Catarina foi palco de outro fato histórico: a prisão do jornalista e empresário Assis Chateaubriand, um dos líderes cariocas da Revolução de 30, com influência entre os nordestinos por sua origem paraibana. Já era na época um dos principais jornalistas da Capital federal.
Chateaubriand só não foi fuzilado pelos revolucionários de São Joaquim, no dia 5 de outubro, graças à intervenção salvadora do fazendeiro Cesar Martorano, na época jovem tenente da Guarda Nacional, que tinha uma carteira de identificação de assinante e correspondente de “O Jornal”, dos Diários Associados, do Rio de Janeiro.
A partir daquele fato na Serra catarinense, quando o “espião” foi descoberto como um poderoso aliado da Revolução, Santa Catarina passou a ter destaque na grande imprensa carioca pelas matérias sobre São Joaquim, enviadas por Cesar Martorano, décadas depois vereador e grande líder em todo o Planalto.
Seu filho, Rogério Martorano Neto, ao servir o Exército no Rio de Janeiro, em 1958, foi recebido por Chateaubriand como filho, com ele conviveu na mansão carioca durante anos e transformou-se num dos principais repórteres da revista “O Cruzeiro” e de “O Jornal”, quando deu grande visibilidade à maçã, à neve e aos principais pontos turísticos de Santa Catarina durante décadas.
Fúlvio Aducci resistiu, mas governou por apenas 27 dias durante a revolução de 1930
A Revolução de 30 teve outras consequências dramáticas. Adolfo Konder, o primeiro governador a desbravar o grande Oeste catarinense e que tinha deixado o governo do Estado para assumir o Senado, acabou exilado na Europa. Regressou três anos após, quando se elegeu deputado federal e depois deputado constituinte estadual. Foi um dos fundadores da UDN em 1945, com Henrique Rupp Junior e Aristiliano Ramos. Seu irmão, Victor Konder, criativo e inovador ministro de Viação e Obras Públicas de Washington Luís, caiu com o antigo governo e também teve que se exilar em Portugal.
Retornou três anos depois, candidatou-se a vereador em Blumenau, onde exercera liderança com grande prestígio. E não obteve vitória. Abandonou a política e se dedicou à iniciativa privada. Outro efeito imediato: o governador Fúlvio Aducci, eleito pelo povo em 1930, governou por apenas 27 dias, entre 29 de setembro e 25 de outubro, quando foi apeado do Palácio pelos revolucionários gaúchos. Também foi exilado.
Em outubro de 1930, a capital ficou entre a cruz e a espada – Foto: Reprodução/ND
Santa Catarina, que se destacara com a proclamação da República Juliana, em Laguna, em julho de 1839, e sofreu a tragédia da chacina de Anhatomirim durante a Revolução Federalista de 1894, acabou tendo protagonismo nacional com a Revolução de 30, pela capacidade de resistência do governo Fúlvio Aducci, com decidido respaldo das tropas gaúchas seguidoras de Getúlio Vargas.
Florianópolis, naquele fatídico outubro de 1930, ficou entre a cruz e a espada. Os soldados e milicianos gaúchos chegando à Capital pelo Sul e as tropas federais descendo de Curitiba para manter o governo dos “legalistas”, com bélico reforço da Marinha na baía Norte, visando a manutenção de Washington Luís e a posse do presidente eleito para sucedê-lo, o paulista Júlio Prestes, uma das principais causas da dissidência.
Café com leite
A Aliança Liberal que se formou no Brasil, com entusiástico apoio do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais e da Paraíba, pretendia acabar com “a política de café com leite”, fórmula que garantia apenas a paulistas e mineiros o exercício revezado da presidência da República. O acordo foi quebrado, dando aos dissidentes e aos opositores da Republica Velha, contrários ao voto de cabresto, à execução da “degola” de parlamentares eleitos pelas oposições, à prática da corrupção e outras irregularidades, o discurso político para adesão popular. O assassinato de João Pessoa, candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas, adicionou novos e decisivos ingredientes.
Episódio esquecido pelos livros de história
Pesquisas e livros editados nos últimos anos trazem relatos dramáticos sobre os dias de terror vividos pela população de Florianópolis em outubro de 1930.
Episódio relevante registrou-se no interior do Estado. A cidade de Blumenau aderiu aos revolucionários. Foi, então, proclamada Capital de Santa Catarina durante todo o período, enquanto os legalistas mantinham Florianópolis como a sede do governo.
Circunstância singular envolveu os jornais de Florianópolis. A “Folha Nova” era intransigente defensora dos governos federal e estadual e não dava crédito às notícias de fora sobre o avanço dos revolucionários gaúchos. “O Estado” mantinha-se numa linha de relativa isenção. E “Republica”, órgão do Partido Republicano Catarinense, era o maior advogado da legalidade, sem dar cobertura aos movimentos nacionais revolucionários.
Na Serra da Garganta, município de Anitápolis, ocorreram duros combates entre os revolucionários e os militares legalistas, com a morte de oito catarinenses. Fato que permaneceu esquecido pelos vitoriosos. E que mereceu um livro do coronel Walmir Lemos, intitulado justamente “Tombados e Esquecidos”.
Duros combates entre os revolucionários e os militares legalistas foram registrados – Foto: Reprodução/ND
No final de 2023, a Polícia Militar inaugurou um marco para materializar o fato histórico ignorado pelos currículos escolares. Gerações passadas estudavam, nas aulas de história, dados sobre a Revolução Francesa, a Guerra do Paraguai, a Guerra da Secessão (EUA), Simon Bolívar e Solano Lopes. E muito pouco ou quase nada sobre os fenômenos históricos de Santa Catarina.
Autoridades e população fogem com o cenário de guerra
São os seguintes os apontamentos feitos pelos historiadores sobre as intermináveis semanas que antecederam o 25 de outubro, a Revolução de 30 e queda do governo Fúlvio Aducci:
No final de setembro de 1930 a ponte Hercilio Luz foi vigiada por policiais, impedindo a saída dos revolucionários e simpatizantes. Nereu Ramos e Henrique Rupp Junior foram alertados até por adversários de que deviam fugir, ameaçados que estavam pelo governo republicano.
Nereu, Rupp e seguidores fugiram pelo mar para se aliarem às tropas rebeldes vindas do Rio Grande do Sul.
A cidade foi protegida por três companhias do 14º Batalhão de Caçadores, uma de Fuzileiros Navais e outra da Força Pública (PM), integrando o recém criado Departamento Noel.
A sede da Região Militar de Curitiba (Exército) foi transferida para Florianópolis e passou a agir sob o comando do general catarinense Nepomuceno Costa. Ele era apoiado pelo esquadrão do almirante Heráclito Belfort.
Canhões dos navios da Marinha foram disparados contra a região continental, atingindo residências e gerando pânico. Pretendia-se impedir o avanço dos revolucionários no Estreito.
Comerciantes fecharam as portas e muitos buscaram abrigo nas Picadas, Forquilhinha e Barreiros, em São José, a partir de 12 de outubro.
Populares da região central da Capital fugiram para o interior da Ilha, impedidos de atravessar a ponte Hercílio Luz.
Osvaldo Aranha, líder do movimento gaúcho, advertiu o almirante Belfort para as denúncias sobre disparos que atingiram casas, mulheres e crianças, “manchando a farda militar e a tradição da Marinha Brasileira”.
Aviões revolucionários sobrevoaram a cidade várias vezes, jogando panfletos que pediam a adesão da população ao movimento, sob a alegação de que o Brasil já havia aderido.
A ponte Hercílio Luz foi interditada com arame farpado e a retirada do piso de madeira, para impedir o avanço dos revoltosos.
A energia elétrica da cidade, fornecida a partir do Continente, foi cortada pelos revolucionários, desaparecendo víveres armazéns e depósitos.
No dia 24 de outubro, às 7h30, o general Ptolomeu de Assis Brasil entrou na Ilha e subiu ao Palácio, onde discursaram Osvaldo Melo, Nereu Ramos, Henrique Rupp Junior, José Neves da Fontoura e Ernesto Lacombe.
Uma exposição inédita no Judiciário
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina está exibindo neste momento, no espaço do Museu Desembargador Tycho Brahe Fernandes, documentos preciosos, peças de artilharia, processos e fotos históricas sobre os fatos que marcaram a Revolução de 30 em Santa Catarina. É mais uma iniciativa cultural que vem se somar a outras de idêntico valor, com as mostras sobre a Guerra do Contestado e a Revolução Federalista.
TJSC exibe documentos e peças de artilharia- Foto: Reprodução/ND
No térreo do prédio do Judiciário podem sem apreciadas as metralhadoras usadas no conflito, uma didática exposição sobre o avanço das tropas revolucionárias, a situação predominante no Estado, e vários processos em defesa dos favoráveis aos insurgentes, vários deles assinados pelo advogado Nereu Ramos, um dos líderes do movimento no Estado.

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