
Caso foi descoberto em agosto de 2021, a partir de um bilhete escrito por uma das vítimas relatando os maus-tratos a família. Mulheres eram mantidas presas em clínica de repouso na cidade do Crato, interior do Ceará
TV Verdes Mares/Reprodução
As 34 mulheres que eram aprisionadas em celas em uma clínica de repouso no Bairro Mirandão, no Crato, no interior do Ceará, deverão ser indenizadas pelo proprietário do estabelecimento, conforme julgado pela 1ª Vara Cível da Comarca do Crato, no dia 8 de abril.
Somadas, as indenizações por danos morais coletivos e prejuízos individuais a serem pagas chegam ao valor de R$ 390 mil.
A polícia tomou conhecimento do caso em agosto de 2021, quando uma das internas escreveu um bilhete relatando que estava sofrendo abuso sexual e entregou a família, que fez a denúncia. À época, o diretor da clínica foi preso por suspeita de maus-tratos e abuso sexual.
Após operação policial, foi evidenciado que o estabelecimento, que funcionava desde 2015 e abrigava idosas e internas com problemas psiquiátricos entre 30 e 90 anos, não cumpria com a propaganda dos serviços que deveria prestar, de cuidar das vítimas.
Dias depois, o alvará de funcionamento da clínica foi suspenso pela Secretaria de Saúde do Crato. As internas foram resgatadas.
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Atividades compulsórias
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Segundo o processo, durante a maior parte dos dias, as pacientes permaneciam trancadas em quartos ou celas, tendo tal rotina interrompida apenas quando obrigadas a realizar atividades compulsórias, como lavar pratos, recolher lixo, capinar mato com as próprias mãos, rasgar livros para reciclagem, além de retirar fezes e urina das celas. Além disso, familiares delas eram impedidos de adentrar nos espaços.
Também foi constatado que o local onde as pacientes eram alojadas, se na casa ou nas celas, era definido com base nas condições financeiras e psiquiátricas e na proximidade da família, de modo que aquelas com menores possibilidades de delatar eventuais sofrimentos permaneciam em celas.
Diante das informações, a Defensoria Pública do Estado ingressou com ação civil pública para requerer que a clínica indenizasse as vítimas por danos morais individuais e coletivos.
Julgamento
pacientes permaneciam trancadas em quartos ou celas, tendo tal rotina interrompida apenas quando obrigadas a realizar atividades compulsórias.
Polícia Civil/ Divulgação
Na contestação, o proprietário da Casa de Acolhimento Feminina Água Viva, Fábio Luna dos Santos, alegou que o referido bilhete foi fraudado com o intuito de impulsionar uma perseguição injusta visando a obtenção de proveitos econômicos.
Ainda de acordo com o diretor, a presença de familiares somente foi parcialmente restringida durante a pandemia de Covid-19, seguindo as determinações da Secretaria de Saúde e da Vigilância Sanitária.
Ele também afirmou para a Justiça que as únicas atividades as quais as internas eram submetidas se relacionavam a terapia de grupo ou individual, acompanhadas por profissionais habilitados.
Fábio Luna defendeu também que, antes de assinar o contrato, os familiares visitavam as dependências da casa de acolhimento e que, periodicamente, órgãos de fiscalização e controle do Poder Público realizavam vistorias, de modo que o local funcionava sob as cautelas da lei.
Para o juiz José Batista de Andrade, da 1ª Vara Cível da Comarca do Crato, a existência de compartimentos semelhantes a celas, com portas gradeadas e sistemas externos de trancamento, configuravam situação de potencial restrição de liberdade das internas, caracterizando a prática de cárcere privado.
“A privação de liberdade, associada às condições sanitárias precárias, caracteriza grave violação à dignidade humana, ferindo não apenas os direitos individuais das internas, mas também os valores coletivos de proteção às pessoas vulneráveis, especialmente aquelas com transtornos mentais. Cada uma dessas mulheres sofreu danos específicos à sua personalidade, sendo submetidas a tratamento desumano que incluía confinamento em celas sem condições mínimas de habitabilidade, restrições severas de alimentação, obrigação de realizar trabalhos forçados, ausência de instalações sanitárias adequadas, além de abusos físicos e psicológicos”, diz um trecho da decisão do juiz José Batista de Andrade, titular da unidade.
O juízo determinou que a Casa de Acolhimento Água Viva e o proprietário do espaço indenizem, solidariamente, as vítimas em R$ 50 mil por danos morais coletivos.
Além disso, ambos foram condenados a pagar mais R$ 10 mil a cada uma das 34 mulheres por prejuízos individuais.
Os réus também foram proibidos de exercer qualquer atividade relacionada ao acolhimento, tratamento ou cuidado de pessoas com transtornos mentais pelo período de cinco anos.
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