Tiririca estava errado. Pior que estava, ficou

Matheus PichonelliArquivo pessoal

A primeira vez que pisei aqui tudo ainda era mato.

Bem, não tão mato assim.

Mas, em 2010, não tinha quem ainda não se espantasse com o movimento de quem trocava a mídia impressa pela digital – então um depósito de tudo o que não entrava no espaço nobre das notícias e abres de página. 

Só que o futuro, diziam, era logo ali, em uma aba em que atualizamos as novidades sem a mediação de gráficas, das bancas de jornal ou dos entregadores.

Não estava ainda muito claro para onde o mundo ia, mas o caminho parecia sem volta.

Ainda assim, ao chegar até a redação do velho iG, num prédio envidraçado da rua Amauri, no Jardim Europa, era necessário atravessar uma revistaria onde todo mundo admirava, entre litros de café e muito cigarro, as capas e soluções gráficas de publicações do mundo todo. Da última vez que passei por lá o local havia dado lugar a uma bicicletaria.

Mas voltemos a 2010. Naquele ano o Brasil se preparava para uma eleição que, dizia-se, seria a mais disputada desde a redemocratização.

O então presidente Lula, do PT, já havia preparado a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, como candidata à sucessão. Ela seria apresentada ao grande público como “a mãe do PAC”.

O desafiante era José Serra, do PSDB. 

Pelo iG, acompanhei a batalha de perto. Bem de perto mesmo. Numa sexta, cheguei com a língua de fora em um hotel de Porto Alegre depois de percorrer diversas cidades do interior gaúcho com o candidato tucano.

Na segunda já estava em Caruaru, em Pernambuco, acompanhando uma caravana da postulante petista ao lado do então governador Eduardo Campos (PE) e do escritor Ariano Suassuna.

Sim, foi uma dura disputa, lembrada até hoje pelo escarcéu de José Serra ao ser golpeado por uma bolinha de papel da testa – e reagir como se tivesse sido alvejado por uma Ak-47.

Corta a cena e, oito anos depois, uma caravana do então presidente Lula foi alvejada por tiros de verdade no interior do Paraná. E, meses depois, um certo Jair Bolsonaro, então candidato do PSL que ameaçava metralhar a petralhada, foi esfaqueado durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG).

Curioso: foi durante um ato de campanha nas ruas da periferia, naquele distante 2010, que vi um certo Tiririca (PL) se lançar candidato a deputado com o slogan “pior que tá não fica”.

Voltei para a redação e fiz um registro da placa inusitada para a coluna de política e bastidores do iG. Mal sabia que aquele slogan se tornaria a maior lenda da política recente. Pior que estava ficou. Tem ficado.

Não é fácil entender como a crise escalou.

Essa crise passa por mudanças na forma como nos comunicamos. Se antes smartphone era desejo distante de consumo, hoje não tem quem não seja bombardeado o tempo todo por mensagens, vídeos e memes compartilhados em programas de mensagem instantânea em escala industrial.

Quem roncava no sofá diante da propaganda eleitoral gratuita acordou no centro da tela conforme as plataformas ganhavam musculatura e fincavam tentáculos sem freio ou regulação. E mal entramos ainda na era da Inteligência Artificial.

A politização do país, assim como a sua modernização, foi atropelada e incubada aos solavancos, mediada por algoritmos que vendem medo e pânico moral sob o selo de consciência e liberdade.

Há muito o que falar do hiato entre um ponto e outro, quando conquistas democráticas pareciam tão resistentes quanto o solo onde pisamos. 

Hoje a campanha de 2010 parece um intervalo idílico de um país que – jurava a revista “Economist”, um ano antes – decolava.

É um desafio ainda entender em que momento esse avião arremeteu. Não é fácil entender. Mas é nosso desafio tentar.

É para isso que voltamos aqui, 15 anos depois.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG.

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