O que explica sumiço da cracolândia em São Paulo?

Imagem da rua dos Protestantes vazia virou ‘símbolo’ do sumiço da cracolândia – Foto: Divulgação/ Governo SP
O sumiço da cracolândia, na região de São Paulo, virou assunto nas redes sociais com imagens de locais de alto fluxo de dependentes químicos completamente desertos desde a última terça-feira (13). O esvaziamento repentino gerou questionamentos do que ocorreu no local. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) fala em resultado de diversas ações, enquanto associações acusam o governo de apenas dispersar o movimento.
Ruas como a dos Protestantes e a General Couto Magalhães, no Santa Ifigênia, centro de São Paulo, ficaram nacionalmente famosas por serem locais de grande concentração de usuários de drogas, formando, desde o fim dos anos 1990, a cracolândia. No ano passado, a prefeitura de São Paulo construiu um muro para isolar os usuários de drogas, medida que foi contestada.
A mesma rua dos Protestantes, agora totalmente vazia, virou símbolo do sumiço da cracolândia, ainda que estado e prefeitura não sejam claros quanto ao destino das pessoas que ficavam no local.
O governo do estado, por meio da SSP, comemora as imagens do sumiço da cracolândia como um símbolo do que chama de “desarticulação do crime no centro do SP”, que seria resultado de ações integradas.
“Foram diversas apreensões de drogas, prisões de lideranças que atuavam na área e o fechamento de estabelecimentos usados para lavar o dinheiro obtido com a venda de entorpecentes. Essas ações se somaram ao reforço no policiamento e a intensificação de investigações, separando o criminoso do dependente químico”, defendeu o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, à agência oficial de notícias do governo do estado.
Sumiço da cracolândia
Segundo a SSP, em 2024, “os roubos diminuíram 43,9% na área das cenas abertas (4,4 mil ocorrências) na comparação com o ano anterior. Os furtos caíram 28,8%, chegando a 11 mil registros”. Ainda de acordo com a pasta, a instalação de câmeras voltadas a captura de procurados da Justiça afastou criminosos que se escondiam no fluxo.
Secretaria de Segurança Pública fala em 15 mil prisões na região central, além de apreensões de armas e drogas – Foto: Divulgação/Governo SP
Conforme o balanço da SSP, cerca de 4 mil foragidos da Justiça foram capturados na área do fluxo desde janeiro de 2023. Em todo o centro da capital, 15,7 mil criminosos foram presos, além de 505 armas de fogo ilegais apreendidas e mais de 1,2 mil veículos recuperados. Em 27 meses, cerca de 6,5 toneladas de drogas foram apreendidas.
O governo ainda afirma que o Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) conseguiu desmontar o ecossistema financeiro do crime organizado que atuava na região central. Hotéis, pensões e ferros velhos utilizados por criminosos para lavagem de dinheiro e ponto de distribuição de drogas foram fechados. A presença constantes da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana também teriam ajudado no sumiço da cracolândia.
‘É para comemorar’, diz prefeito
Durante entrega de um centro esportivo no Santo Amaro, zona sul da capital, na manhã desta quarta-feira (14), o prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse que o “sumiço” da cracolândia na rua dos Protestantes é resultado das ações municipais e estaduais na região.
Prefeito Ricardo Nunes criticou imprensa e considerou queda do movimento uma vitória – Foto: Renato Pinheiro / Prefeitura de SP
“A gente precisa comemorar os avanços que tivemos. A gente tinha, em 2016, 4 mil usuários na cracolândia, segundo registros da imprensa. Hoje, dá para dizer que resolveu todo o problema? Obviamente que não, mas a gente avançou muito e a gente precisa comemorar. Queria convidar a imprensa para comemorar com a gente. É uma vitória da sociedade”, declarou.
Nunes se mostrou irritado com cobranças, acusou a imprensa de procurar coisas pequenas e fazer picuinhas. “O fundamental é continuarmos as ações que iniciamos em 2021 com muita frequência e bastante investimento. Presença de agentes da saúde, da assistência social, da Polícia Municipal [Guarda Civil Metropolitana], da Polícia Militar, da Polícia Civil. Então é muito importante que esses avanços e comemorações não sejam menosprezados”, destacou.
O prefeito confessou que alguns usuários de drogas se dispersaram por outras regiões da cidade, como o Glicério, mas garante que muitos estão em atendimentos nas unidades do município. “Ninguém tá sendo populista e dizendo que resolveu, mas avançamos.”
Dispersão e violência no sumiço da cracolândia
A versão de que o “sumiço” da cracolândia aconteceu naturalmente depois de uma série de ações é contestada por personalidades e associações que atuam na região. O movimento A Craco Resiste, afirma que os depoimentos colhidos no projeto de extensão universitária com grupos de pesquisa da USP e da Unifesp, apontam um aumento de violência nas abordagens da GCM.
“A Prefeitura de São Paulo passou a adotar nos últimos dias a política de dispersar na pancada os grupos de pessoas em situação de rua e que consomem drogas na região da Cracolândia, centro da cidade. Foi essa ação que provocou o esvaziamento do fluxo que estava concentrado na Rua dos Protestantes”, disse o movimento em publicação no Instagram.
Essas ações causaram o “sumiço” da cracolândia, dispersando os dependentes químicos para outras regiões do município, o que, na visão da entidade, não resolve o problema.
“Foram as diversas formas de violência que levaram as pessoas à Cracolândia e não vai ser a pancada que vai tirá-las de lá. Isto já foi tentado, já se sabe ineficaz, cruel e muito caro aos cofres públicos”, defendeu a publicação.
O padre Julio Lancellotti, vigário episcopal para a Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo, também descartou que houve uma solução para o problema. “Não sumiram, nem estão todos em clínicas, mas espalhados pela cidade, amedrontados e mal tratados”, publicou em seu Instagram.

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