Alta dos alimentos é fator principal na avaliação da economia, dizem pesquisadores

Preços dos alimentos é principal causa de avaliação negativa da economia – Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
O noticiário deste mês divulgou renda recorde, maior taxa de juros desde 2006 e inflação fora da meta. Como essas informações afetam a nossa vida? De acordo com os economistas consultados pela ND Mais, os dados ajudam a explicar a percepção da maioria dos brasileiros de piora na economia, mesmo com o rendimento de todas as fontes recorde.
Preços dos alimentos impacta orçamento
A economista e professora de pós-graduação da FGV Carla Beni destaca que a inflação nos preços dos alimentos é a principal razão dessa percepção da economia.
“Há uma percepção, e ela é real, de que os alimentos continuam caros e vão continuar mais caros. Não só por questões climáticas, mas por questões conjunturais”, afirma Carla Beni.

No ano passado, parte da alta dos preços dos alimentos foi justificada por desastres naturais. No entanto, Beni aponta que, há anos, a inflação nos preços dos alimentos é maior do que o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) — o indicador mais utilizado para se referir à inflação no país.
“Desde 2007, há 18 anos no Brasil, tem um vasto material dos pesquisadores da Unesp inclusive, nós estamos mostrando que a inflação de alimentos é maior do que a inflação fechada do IPCA do ano”, afirmou a economista Carla Beni.
Preços dos alimentos aumenta mais que inflação geral – Foto: Tânia Rego/ABr
Em 2024, o IPCA fechou em 4,83% ao ano. O grupo Alimentos e bebidas do INPC fechou com alta de 7,60%. Enquanto o IPCA mede o consumo amplo, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) é focado na variação do custo de vida de famílias com renda até cinco salários mínimos.
O economista e sociólogo César Bergo, professor de Mercado Financeiro da UnB e conselheiro do Conselho de Economia do DF, concorda com a avaliação de que os preços dos alimentos impactaram a percepção da piora da economia.
“Se formos analisar os últimos meses, praticamente os alimentos estiveram no primeiro ou segundo lugar [em inflação]. Então isso acaba, de alguma forma, criando uma insatisfação na população de renda mais baixa e renda média em função do consumo ser muito focado na questão do supermercado, da compra de alimentos”, avaliou o economista.
Por que os preços dos alimentos estão altos?
A alta nos preços dos alimentos também é apontada como fator fundamental pelo professor de Economia e Relações Internacionais da UFSC e fundador do Necat (Núcleo de Estudos de Economia Catarinense), Lauro Mattei. O professor alertou que boa parte das commodities como café, óleo de soja e carnes, por exemplo, sofrem influência do mercado internacional.
“Como o real está muito desvalorizado, esse preço em dólar acaba sendo internalizado e provocando impactos nos preços domésticos de várias cadeias alimentares”, afirmou o economista.
Apesar do aumento nos preços dos alimentos, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou que “ninguém se desenvolve” olhando para o mercado interno. Uma das consequências da exportação de alimentos, segundo a economista da FGV Carla Beni, é o desabastecimento desse mercado.
“Cada vez mais o Brasil é um país que produz monocultura exportadora e isso vai diminuindo a nossa área plantada dos itens que nós consumimos como brasileiros. O arroz, feijão, fruta, verdura, legumes, os preços acabam encarecendo”, argumentou a economista.
Os pesquisadores também incluíram transportes e energia elétrica como setores que contribuíram para a avaliação negativa da população sobre a economia. A alta geral dos preços é o sintoma da inflação e, neste momento, ela está fora da meta.
Inflação fora da meta tem impacto em preços dos alimentos – Foto: Marcelo Camargo/ABr
Inflação eleva juros
A meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para este ano é de 3%, com margem de 1,5%. Ou seja, a inflação tem que fechar o ano abaixo de 4,5%. No dado mais recente da inflação divulgado pelo IBGE em abril, o IPCA está em 5,53% no acumulado dos últimos dozes meses.
O Conselho que define a meta é composto pelo presidente do Banco Central, pelo ministro da Fazenda e pela ministra de Planejamento e Orçamento. Logo, é o governo federal quem propõe essa meta, em diálogo com setores produtivos. Neste momento, os preços estão além do que o governo propôs para 2025.
O doutor em economia da UFSC Lauro Mattei avalia que a meta da inflação definida pelo CNM é “irreal” e, na sua análise, ela deveria ser de 4,5%, mais a margem de 1,5% que já existe hoje. Ou seja, o professor Mattei avalia que a economia teria um bom desempenho com uma inflação até 6%
“No entanto, como o Conselho Monetário Nacional fixou essa meta em 3%, e como a taxa de juros no modelo de ajuste atual é a única opção restante de política para controlar a inflação, utiliza-se fortemente desse instrumento que nem sempre está dando os resultados esperados”, afirmou o professor.
O instrumento a que Mattei se refere é a taxa de juros. Neste caso, quem define é o Comitê de Política Monetária (Copom), composto pelo presidente e diretores do Banco Central. O último anúncio feito pela autarquia foi em maio, o sexto aumento consecutivo que elevou a Selic para 14,75%.

O professor de Mercado Financeiro da UnB César Bergo alertou para os perigos da manutenção de uma taxa de juros elevada por muito tempo. Entre eles, a falta de acesso à crédito barato tanto para pessoas físicas quanto jurídicas.
“É ruim política monetária nesse nível de taxa de juros porque encarece o crédito. E não só o crédito para as empresas,  que acaba aumentando o custo de oportunidade e reduz os investimentos, mas também aumenta inadimplência das famílias”, afirmou César Bergo.
Por que o juros está tão alto?
O índice não chegava a esse patamar desde 2006. A taxa de juros elevada foi um dos principais argumentos do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, para justificar os problemas na economia, inclusive os preços dos alimentos.
Nos dois primeiros anos do seu mandato, Lula conviveu com Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central indicado pelo seu antecessor, Jair Bolsonaro. Durante o período, Lula criticou publicamente Campos Neto diversas vezes por manter a taxa de juros elevada, o que impactou os preços dos alimentos e diminui a oferta de crédito.
Desde janeiro deste ano, quem ocupa a presidência do BC é o indicado de Lula, Gabriel Galípolo. Sob o seu comando, os juros passaram de 12,25% para 14,75%. No entanto, Lula evita críticas à Galípolo.
O atual presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo , atrás do seu antecessor, Roberto Campos Neto – Foto: Jose Cruz/Agência Brasil
Equilíbrio fiscal
Na ata da última reunião do Copom, o colegiado afirma que o cenário internacional ainda era incerto devido às taxas comerciais impostas a diversos países por Donald Trump. No contexto doméstico, o Copom reforçou a necessidade de equilíbrio fiscal nas contas públicas.
De acordo com o pesquisador César Bergo, há um descompasso entre a política fiscal do governo Lula e a política monetária do Banco Central. Segundo o economista, como o governo federal gasta muito, o Banco Central não pode soltar a rédea da taxa de juros para prevenir uma disparada nos preços nos alimentos.
“Estamos vendo realmente que a grande dificuldade de ajustar as contas públicas acaba provocando essas ações do Banco Central”, avaliou César Bergo. “Se continuar gastando no nível está, a arrecadação, embora tenha ajudado um pouco, não é suficiente para cobrir essa diferença. Isso acaba criando esse desequilíbrio de preços e você tem então uma inflação que nem a política monetária consegue controlar”, analisou.
No entanto, a economista Carla Beni da FGV aponta que o Banco Central também tem um papel importante no equilíbrio das contas fiscais. Quando o Banco Central aumenta a Selic, o custo da dívida pública do Brasil também sobe.
Isso acontece porque grande parte da dívida do governo está atrelada à Selic. Ou seja, quanto maior a taxa, mais o Tesouro Nacional paga de juros. Para se ter uma ideia, cada aumento de 1 ponto percentual na Selic gera um gasto extra de cerca de R$ 50 bilhões por ano aos cofres públicos.
“Então essa métrica do Banco Central de só olhar para a taxa de inflação e não olhar para o emprego, por exemplo, como o Banco Central americano faz, provoca esse tipo de conduta, uma taxa de juros completamente desproposital para uma economia como a nossa, sendo uma taxa mais alta que a da Rússia, por exemplo, que está três anos em guerra”, avaliou Carla Beni.
A visão do pesquisador Lauro Mattei é similar à de Carla Beni quanto à corresponsabilidade do Banco Central na administração da dívida pública. Para ele, “cada vez mais o Governo se endivida e cada vez mais a renda se concentra em um número pequeno de cidadãos, via propriedade dos títulos da dívida pública.”
Dívida brasileira sobe com aumento de juros- Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Preços dos alimentos permanecerão caros
O controle dos preços dos alimentos via aumento de juros, de acordo com o professor Lauro Mattei,  “é enxugar gelo com água”. Se a resposta para diminuir os preços dos alimentos não está na elevação de juros, a professora Carla Beni sugere olhar para o mercado interno.
A economista afirmou que, ao priorizar as exportações, itens da cesta de consumo do brasileiro, como feijão e tomate, perdem espaço para produtos de exportação, como soja e carne, o que torna mais caro os preços dos alimentos.
“Nós precisamos de estoques reguladores de produtos essenciais justamente para poder fazer esse meio termo aí de preços tanto para parte dos produtores quanto para a parte dos consumidores”, afirmou Beni.
Nesse sentido, a pesquisadora afirma que é importante novos investimentos na Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).  A Conab é uma empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
O objetivo principal da Conab é garantir a segurança alimentar e a regulamentação do abastecimento de produtos essenciais. Entre as suas funções, está gerir estoques reguladores de produtos agrícolas para evitar flutuações excessivas nos preços dos alimentos.

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