
Walter Braga Netto, general da reserva, ex-ministro da Casa Civil e ex-candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PL), acompanhou por zoom o primeiro dia de audiência, na Primeira Turma do STF, das testemunhas da trama golpista.
Preso desde o fim do ano passado, em uma Vila Militar da Zona Oeste do Rio, ele estava acompanhado por advogados para assistir, por videochamada, ao depoimento mais aguardado do dia: o do general e ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes.
Freire Gomes foi uma das testemunhas indicadas pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, para falar o que sabia sobre a reunião com os chefes das Forças Armadas em que o então presidente teria apresentado um plano de estado de sítio na tentativa de reverter o resultado das eleições de 2022.
O plano, segundo a Polícia Federal, só não foi adiante devido à resistência de dois dos três chefes militares. O próprio Freire Gomes e o comandante da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Jr.
A mesma versão dizia que Bolsonaro foi ameaçado de prisão caso insistisse naquele plano.
A presença, mesmo virtual, de Braga Netto na audiência era um fator extra de pressão sobre o depoente.
Em mensagem de 2023 interceptada pela PF, ao saber da recusa do colega de farda em endossar o plano criminoso, ele chamou o então chefe do Exército de “cagão”.
(Além de Braga Netto, Jair Bolsonaro e os ex-ministros Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira também acompanharam a audiência por videochamada. Todos são réus do chamado núcleo central da denúncia apresentada por Gonet).
Quem estava na sala dizia que era possível cortar o ar gelado de tensão com uma faca.
Freire Gomes estava claramente desconfortável no papel. Acostumado a mandar em suas tropas, ele cumpria ali o papel de testemunha obediente às ordens de um civil para relatar os detalhes da reunião.
Eles foram entregues a conta-gotas, de má vontade, e só depois de uma prensa do ministro relator Alexandre de Moraes.
Há cerca de um ano, Freire Gomes disse em depoimento à Polícia Federal que Bolsonaro apresentou a ele uma minuta golpista com “institutos jurídicos” para melar as eleições de 2022.
No STF, e sob os olhos de quem o chamava de “cagão”, ele fez contorcionismo para contornar o que havia dito à PF.
No papel de testemunha, o general negou ter dado voz de prisão a Bolsonaro. Disse apenas ter exposto a ele “a importância de avaliar todas as condicionantes e o dia seguinte” ao golpe. Frisou que “estava focado na minha lealdade de ser franco ao ex-presidente”.
E que tanto ele quanto o brigadeiro Baptista Jr. foram contrários ao plano. Ele disse não se lembrar da posição do então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira. E que apenas o chefe da Marinha à época, Almir Garnier, “demonstrou, vamos dizer assim, o respeito ao comandante em chefe das Forças Armadas”.
Nada que, segundo ele, pudesse ser interpretado como “qualquer tipo de conluio”.
Moraes sentiu o cheiro do recuo e questionou em que momento ele mentiu: se à PF ou diante do tribunal.
Foi o suficiente para que, ainda mais contrariado, o depoente confirmasse o que disse à PF.
“Com 50 anos de Exército, eu jamais mentiria. Eu e o brigadeiro Batista nos colocamos contrários ao assunto. Que eu não me recordo efetivamente da posição do ministro da Defesa, e o Almir Garnier colocou essa postura de estar com o presidente. Agora não omiti o dado. Eu sei plenamente o que eu falei. Agora a intenção do que ele quis dizer com isso não me cabe”, respondeu Freire Gomes.
Em um país que passou longe de punir os militares que prendiam, matavam e torturavam durante a ditadura, é ainda hoje difícil dimensionar a tensão de ver um civil enquadrar um ex-chefe militar dessa maneira.
No campo bolsonarista, a postura será um prato cheio para dizer que Freire Gomes só disse o que disse porque estava sob pressão – como se os 50 anos de Exército não o ensinassem também a enfrentar situações extremas. Ou a identificar o que é um golpe de Estado e o que é choro de perdedor.
Ele aliviou o quanto pode o ex-capitão expulso do Exército que um dia o alçou a comandante da instituição.
E deixou ao colega Baptista Júnior a bucha de confirmar também a versão contada à PF.
O que vale, para a sustentação da denúncia, está na confirmação, do próprio general, de que se reuniu, sim, em 7 de dezembro de 2022 com Jair Bolsonaro e outros chefes militares para a possibilidade de instalação de estado de sítio, de uma GLO (garantia de lei e de ordem) ou estado de defesa.
O teor da denúncia, portanto, foi confirmado, mesmo a contragosto.
Se tinha alguém que tentou intimidar o depoente não foi Alexandre de Moraes. Foram os colegas de farda que os espinafraram em privado e agora aparecem em público para ouvir sua versão domesticada da história.