Por que ainda não sabemos com certeza se beber vinho causa enxaqueca


Em um estudo recente, mostramos que não há evidências conclusivas que sustentem um risco maior ou menor de enxaqueca associado ao consumo de vinho. Alguns estudos favorecem a associação com o vinho tinto, outros com o vinho branco
Andres Ayrton/Pexels
Todos nós já sofremos de dor de cabeça em algum momento de nossas vidas e podemos até mesmo ter pronunciado uma frase como “hoje estou com uma enxaqueca que não me deixa viver”. De fato, mais de 90% dos espanhóis afirmam ter sofrido algum episódio de dor de cabeça, de acordo com dados da Sociedade Espanhola de Neurologia. Mas será que realmente sabemos o que queremos dizer quando falamos de “enxaqueca”?
É comum confundir uma dor de cabeça com a chamada enxaqueca. A enxaqueca é definida como um problema neurológico caracterizado por episódios recorrentes de dor de cabeça acompanhados de alterações no sistema nervoso, no trato gastrointestinal, distúrbios sensoriais, náuseas, vômitos, fotofobia e também uma alta sensibilidade ao som (fonofobia).
A enxaqueca afeta 15-20% da sociedade adulta mundial. É também um problema que causa incapacidade e reduz sua qualidade de vida. E, embora seja claramente diferenciada de outros tipos de cefaleia e tenha evoluído ao longo do tempo, o conceito de enxaqueca ainda está em processo de refinamento e modificação.
O consumo de álcool está relacionado à enxaqueca?
Há vários fatores que podem estar relacionados ao desenvolvimento desse problema. Entre eles, alguns hábitos e estilos de vida nos quais a dieta pode desempenhar um papel importante. Por exemplo, descobriu-se que alimentos como chocolate, leite, queijo, alimentos gordurosos e frutas cítricas podem desencadear enxaquecas.
Tradicionalmente, o alto consumo de bebidas alcoólicas mostrava uma relação estabelecida com o aparecimento de dores de cabeça, de acordo com textos que remontam à época do filósofo grego Celsus, do século II. No século XX, autores como Hanington faziam essa afirmação em seus artigos.
Apesar disso, ainda há incertezas sobre a associação entre o consumo de álcool e a cefaleia e a enxaqueca. A razão para isso é que seria necessário saber quais componentes de cada tipo de bebida, e em que medida, estão de fato associados a esse problema. Em outras palavras, há atualmente uma falta de evidências.
Alguns estudos favorecem a associação com o vinho tinto, outros com o vinho branco. Ou até mesmo ambos ou outras bebidas alcoólicas, como champanhe.
Além da incerteza, o vinho é uma das bebidas mais comumente relatadas como um gatilho da enxaqueca.
Por que o vinho causa enxaqueca?
O vinho inclui em sua composição certos componentes que poderiam explicar sua possível relação com a enxaqueca: sulfitos, fenóis e o próprio etanol (álcool).
Estudos recentes propuseram uma possível hipótese para explicar esse fenômeno no caso do vinho tinto, que contém altos níveis de fenóis.
Um dos compostos fenólicos que ocorre em quantidades maiores no vinho tinto, em comparação com o vinho branco e outras bebidas alcoólicas, é a quercetina. Nosso corpo metaboliza o álcool no fígado, mas um metabólito típico da quercetina pode inibir a enzima responsável pelo metabolismo do acetaldeído, uma substância tóxica produzida pela decomposição do álcool.
Quando essa enzima não funciona adequadamente, o acetaldeído se acumula no corpo, o que pode levar a dores de cabeça, náuseas e outras manifestações em indivíduos suscetíveis. Em outras palavras, seria como se a quercetina não nos permitisse digerir o álcool adequadamente.
Entretanto, surge uma situação curiosa: esses mesmos componentes, por exemplo, os fenóis, também estão presentes em outros alimentos que não causam dores de cabeça ou enxaquecas. O desafio, portanto, é identificar quais mecanismos seriam realmente responsáveis por produzir enxaqueca a partir do consumo de vinho, se isso for finalmente confirmado.
Os resultados de nossa pesquisa recente, com base em dados de cinco estudos, indicam que não há evidência suficiente que comprove aumento do risco de enxaqueca associado ao consumo de vinho.
No entanto, mesmo esses resultados são inconclusivos devido ao número limitado de estudos incluídos e ao seu formato: são estudos transversais que só nos permitem observar associações em períodos específicos de tempo, mas não afirmar inequivocamente que o consumo de vinho causa enxaqueca.
A única maneira de descobrir seria projetar pesquisas que realizem intervenções controladas e analisem rigorosamente a evolução da saúde dos participantes para estabelecer (ou não) uma relação de causa e efeito.
Você sofre de enxaqueca? Saiba como identificar suas causas
Não há dúvida de que a identificação de alimentos e substâncias comumente consumidos que podem causar problemas de saúde, como a enxaqueca, possibilitará o estabelecimento de medidas para prevenir e promover hábitos saudáveis em nossa sociedade.
Mas também é inegável que os pesquisadores têm uma limitação importante: atualmente, não é ético induzir a população adulta a consumir álcool ou vinho para realizar pesquisas.
No entanto, estudos sobre o consumo de álcool estão sendo realizados com independência financeira na Espanha, como o projeto UNATI, que certamente levará a descobertas importantes.
Enquanto aguardamos resultados nesse sentido, as evidências científicas até o momento sugerem que os evitemos na medida do possível ou, se já somos consumidores, que os consumamos com moderação.
Na ausência de evidências claras, o recomendável é que cada pessoa olhe para si mesma para identificar individualmente quais alimentos e bebidas tendem a desencadear enxaqueca após o consumo. A fim de evitá-los na medida do possível.
Maribel Lucerón Lucas-Torres recebe fundos da Universidade de Castilla-La Mancha. Esta pesquisa foi financiada por fundos do FEDER. (2022-PROD-20657).
Marta Carolina Ruiz Grao recebe fundos do FEDER e é apoiada por uma bolsa da Universidade de Castilla-La Mancha (2022-PROD-20657).
Adicionar aos favoritos o Link permanente.