O impresso resiste! E faz História

O impresso resiste! E faz História

O começo dos anos 2000 eram tempos de vacas magras em casa.

O aperto financeiro levou meus pais a cancelarem a assinatura do jornal. Péssima época para ficar desatualizado, já que no fim de 2001 eu prestaria vestibular para…jornalismo.

Minha mãe deu os pulos dela.

Ligou para a vizinha do sexto andar, assinante de um tradicional diário impresso, e perguntou se, por acaso, ela tinha planos para aquelas folhas depois que fossem lidas.

Não, não tinha.

Depois de lidas, as folhas iriam para o lixo.

Minha mãe então se ofereceu a recolher as páginas das edições do dia anterior. Tudo para que eu pudesse ler as notícias quando voltasse da aula, geralmente à noite. 

Parecia não fazer sentido. Aquelas páginas começaram a ser escritas e rabiscadas na antevéspera. Foram para a gráfica na madrugada. Atravessaram o estado até chegar para a minha vizinha. Que me liberava no dia seguinte. E eu muitas vezes só conseguia ler as notícias de dois ou três dias atrás quando já era noite.

Foi neste período que aprendi a amar e valorizar de verdade o papel que tinha em mãos. Não estava preocupado com a temperatura do noticiário. Não só.

Um jornal impresso é mais que isso. É um passeio por um território que nos é familiar, com nomes que passam a fazer parte da nossa rotina. As colunas. As estreias. As dicas de filme. O horóscopo. Os quadrinhos. As palavras cruzadas.

É também um passeio por uma experiência visual, com soluções gráficas para questionamentos complexos. E também tátil. (Há quem duvide, mas jornais também possuem cheiros, como os pães que buscamos logo cedo para nos alimentar. E alimentam).

Faz alguns anos que não preciso mais esperar a vizinha terminar de ler o jornal. Naquele ano passei na faculdade e não demorou para ter minha experiência como repórter de jornal impresso. A melhor escola que alguém poderia ter.

Numa redação, aprendemos desde cedo que não é qualquer história que vale ser impressa. É preciso estar ciente da relevância dela. E checar. E confrontar versões. E aí sim as histórias ganham vida.

Mais do que o furo, é o nome do veículo que está em jogo. E a credibilidade é o oxigênio da atividade jornalística.

Deveria ser.

Daquele início dos anos 2000 para cá, acompanhei de perto todas as transformações do ofício. Testemunhei a ascensão da era digital. Dos blogs. Depois dos youtubers. Vi bolhas serem infladas e estourarem pouco depois. Vi gente sem ideia do que é apurar uma boa história formando legiões de seguidores em canais de intenções duvidosas.

Esses passam.

Os bons ficam.

Nesta quinta-feira o jornal O Dia comemora 74 anos de fundação.

Atravessou muitas das intempéries de dois séculos de extremos. A Guerra Fria. A ditadura. A redemocratização. As (muitas) crises econômicas.

Durante esse tempo todo o veículo fez questão de destacar as pequenas grandes histórias de bairros esquecidos. Olhou para o subúrbio e a periferia. Destacou e compreendeu os fenômenos da cultura popular. E deu visibilidade a pessoas historicamente silenciadas. 

E segue atuante em uma missão fundamental: vigiar, cobrar o poder público e denunciar os abusos de uma cidade (um país) cheio de ranhuras. O mosaico é uma composição das pequenas grandes histórias. E sem perder a noção da História, com H maiúsculo, jamais.

*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG

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