Traje de Anita Garibaldi exposto ao lado do seu leito de morte, um quarto na casa da fazenda onde ela faleceu, localizado em Mandrioli, Ravena, Itália – Foto: Divulgação/ND
Não foram poucos os historiadores, jornalistas e pesquisadores seduzidos pela trajetória de Anita Garibaldi que dedicaram a essa grande personagem da história brasileira (e italiana) anos de estudos, leituras e viagens, tentando reconstituir seus passos e atos de amor e bravura.
No entanto, poucos chegaram tão perto da alma e da intimidade da “heroína dos dois mundos” quanto um grupo de profissionais ligados à Unifebe (Centro Universitário da Fundação Educacional de Brusque).
O grupo reproduziu um manequim e reconstituiu o último traje preservado que foi usado pela catarinense de Laguna antes de morrer, em 4 de agosto de 1849, na vila de Mandriole, perto de Ravena, na Itália, às vésperas de completar 28 anos.
O traje histórico, composto por um conjunto de saia e corpete feito de brocado na cor preta, revela uma Anita baixa, de 1,66 metro, sem o esplendor longilíneo das gravuras e das atrizes que a interpretaram no cinema e na televisão.
Além disso, o manequim foi fiel ao momento final da vida da heroína, que estava grávida de seis meses de seu quinto filho quando foi acometida pela febre tifoide e definhou durante dias até morrer, em plena campanha pela unificação da Itália.
Em 2025, quando se comemoram os 150 anos da imigração italiana em Santa Catarina, esse trabalho da Unifebe merece ser ressaltado pela sua importância e ineditismo.
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Entrega de um exemplar da reprodução do traje de Anita Garibaldi na República de San Marino. Na foto: Raffaella Candoli, representante da Fidapa BPW Cesena Malatesta; Filippo Francini, embaixador da República de San Marino no Brasil; Rosemari Glatz; Andrea Antonioli, presidente do Centro de Estudos Olim Flaminia; manequim com a reprodução do traje de Anita Garibaldi; e Renato Mosca de Souza, embaixador do Brasil na República de San Marino – Divulgação/ND
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Manequim e reprodução do traje de Anita expostos na fazenda onde faleceu (Mandrioli, município de Ravena). Ela foi sepultada pela primeira vez bem próximo dali. – Divulgação/ND
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Monumento equestre localizado no Monte Gianicolo, em Roma, onde os restos mortais da heroína brasileira, Anita Garibaldi, estão sepultados. – Divulgação/ND
A partir de informações obtidas em pesquisa internacional e de duas viagens a San Marino, onde o traje original está guardado, professores e designers vinculados à Unifebe recriaram a roupa derradeira de Anita Garilbaldi utilizando fibras naturais, com a parceria de laboratórios e de empresas têxteis de Brusque.
A vestimenta foi reproduzida para ser doada a instituições universitárias e culturais de Santa Catarina (como o Instituto Anita Garibaldi, de Laguna), de San Marino e da Itália, onde também foi apresentada em 2024.
Na Itália, a heroína é reverenciada em proporção idêntica à de Giuseppe Garibaldi, seu marido, um dos grandes atores do processo de unificação da península, concluído em 1870.
Durante as visitas à reserva técnica do Museo di Stato – Piazzetta Titano da República de San Marino, em 2022 e 2023, a reitora da Unifebe, Rosemari Glatz, e Edinéia Pereira da Silva, pró-reitora de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura da mesma universidade, mediram as vestes de Anita Garibaldi e receberam amostras dos fios usados na peça.
Apresentação dos trabalhos referentes a reprodução do traje de Anita Garibaldi na República de San Marino. Na foto: Raffaella Candoli, representante da Fidapa BPW Cesena Malatesta; Filippo Francini, embaixador da República de San Marino no Brasil; Andrea Belluzzi, secretário de Estado para Educação e Cultura da República de San Marino; Renato Mosca de Souza, embaixador do Brasil na República de San Marino Rosemari Glatz, reitora da Unifebe; Andrea Antonioli, presidente do Centro de Estudos Olim Flaminia – Foto: Divulgação/ND
Uma vez no Brasil, esse material passou por análise técnica e serviu de base para a reprodução fidedigna do artefato.
“Foi uma situação totalmente atípica, porque tiramos as medidas de Anita a partir do único vestido seu que ainda está preservado”, diz a reitora Rosemari.
“Usando dados do laudo cadavérico e as medidas do traje, chegamos às reais medidas dela, considerando também o estágio de sua gravidez. Esses pormenores não constam nos anais da história. O que temos aqui é uma réplica do último vestido que Anita usou dias antes de falecer”.
Descendentes de Anita Garibaldi receberam réplicas em Roma
Instituição de ensino superior de uma região com tradição na produção têxtil, a Unifebe vem utilizando as peças recriadas como recurso de ensino-aprendizagem nos cursos que oferece, como Design de Moda e Design Gráfico.
A reprodução do traje e do manequim com as medidas exatas de Anita Garibaldi está disponível para pesquisa no Centro de Memória da universidade, localizado no campus Santa Terezinha, em Brusque.
Além dos próprios alunos, a indumentária pode ser acessada por historiadores e outros interessados no tema.
Até 2022, o historiador suíço naturalizado Wolfgang Ludwig Rau, um apaixonado pela vida e trajetória de Anita Garibaldi, era o único brasileiro que havia manuseado a peça, em 1969.
Para chegar a esse feito e produzir a réplica, a Unifebe envolveu professores e técnicos que pesquisaram fios, tramas, tipologias de costuras, modelagem e a evolução da moda desde a primeira metade do século 19.
Além da apresentação e entrega de uma réplica ao governo de San Marino, a instituição visitou a sede da Associazzione Nacionale Veterani Reducci Garibaldini, em Roma, onde foi deixado um exemplar do traje recriado a Anita Garibaldi Jallet, presidente da entidade e bisneta de Anita e Giuseppe Garibaldi.
Constanza Raviza Garibaldi, também descendente de Anita e Giuseppe e que mantém o Mausoléu de Menotti Garibaldi, em Aprília, também recebeu uma réplica do traje. Menotti era o filho primogênito de Anita e Giuseppe Garibaldi e o único que nasceu no Brasil. “Foram momentos muito especiais”, afirma a reitora Rosemari Glatz.
Na mesma viagem, em 2024, a reitora Rosemari e a pró-reitora Edineia foram até o monte Gianicolo, também em Roma, onde existe um monumento equestre de Anita Garibaldi e onde seus restos mortais estão enterrados.
“Isso é uma mostra concreta do prestígio que ela tem na Itália”, ressalta a reitora. Na parte mais alta da colina encontra-se também um imponente monumento dedicado a Giuseppe Garibaldi.
Entrega de um exemplar da reprodução do traje de Anita Garibaldi para a sua bisneta, Anita Garibaldi Jallet, sede da A.N.V.R.G. – Associazzione Nacionale Veterani Reducci Garibaldini (Roma), que é presidida por ela, em março de 2024. Na foto: Rosemari Glatz, Anita Garibaldi Jallet e Edineia Pereira da Silva. – Foto: Divulgação/ND
Vestimentas refletem o espírito de cada época
A pró-reitora de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura da Unifebe, Edinéia Pereira da Silva, diz que uma das peculiaridades do manequim e da vestimenta mantidos no Centro de Memória da instituição é que “representam a Anita Garibaldi real, sem as curvas que sugerem as imagens que atravessaram os anos”.
Outro aspecto de comovente simbolismo é que as peças remetem aos últimos momentos da vida da heroína, que além de estar grávida deixou órfãos outros três filhos menores – uma menina já havia morrido no Uruguai, poucos anos depois que Anita e Giuseppe juntaram seus destinos em solo catarinense.
A pró-reitora destaca que “a partir de uma peça de vestuário é possível entrar no universo político, histórico e social de uma época”. Para uma universidade que estuda e ajuda a moda a acompanhar a evolução da sociedade, isso é muito relevante.
O mesmo vale para a análise dos materiais, tons, cortes e modelagens daquele tempo. “O preto, por exemplo, era muito comum, com a utilização de corantes que escureciam as roupas”, afirma Edinéia.
Essas vestes usadas por Anita Garibaldi passaram por várias mãos – até de pessoas anônimas – antes de serem adquiridas pelo Museu de San Marino, em 1957.
Um restauro foi feito em 2009 no Museu de Tapeçaria de Bolonha. Confeccionadas em fios de seda pura e algodão, elas trazem detalhes nas mangas, bolsos e no franzimento da cintura que remetem aos modelos femininos usados em meados do século 19.
Entre outros profissionais, também participaram do projeto – denominado “A reprodutibilidade do traje de Anita Garibaldi e a sua contribuição para o processo de aprendizagem” – o coordenador da pós-graduação MBA em Gestão da Cadeia Têxtil da Unifebe, Wallace Lopo, e Daniel Goulart, professor de Design de Moda na universidade.