A semente da araucária movimenta famílias, aquece negócios locais e valoriza a cultura serrana em Santa Catarina – Foto: Divulgação
Na Serra Catarinense, a chegada do frio anuncia também o início de um ciclo importante para a economia local: a safra do pinhão. Mais do que um alimento típico da estação, a semente da araucária é um elo entre tradição, sustentabilidade, renda e turismo, conectando gerações e transformando a paisagem econômica e cultural da região.
Do campo à mesa, o pinhão representa uma cadeia produtiva viva, que respeita o ritmo da natureza e reforça a identidade dos moradores da serra. É ele quem alimenta a fauna nativa, como os papagaios-do-charão, espécie que anuncia a temporada ao voar por Urupema, e também sustenta centenas de famílias, que encontraram na preservação uma fonte de renda e valorização.
Preservar é garantir o futuro
Com apenas 1 a 4% da população original de araucárias ainda existente, segundo os estudos citados pelo pesquisador Natal Magnante, o desafio da preservação tem motivado estratégias inovadoras. A aposta no uso sustentável é uma delas.
“Se você tiver utilidade e se as pessoas puderem utilizar um bem, um serviço ou um produto, você tende a conservar uma espécie e o caso da Araucária foi exatamente esse. Quando ela começou a ter uma importância maior do ponto de vista econômico, financeiro, ela começou a ser olhada com olhos diferentes” – conta o especialista, que acompanha a cadeia do pinhão há mais de 20 anos.
Na prática, isso significa transformar o que antes era subvalorizado em produto de qualidade – exemplo que vem da família de Jaison Rosa, coletor de pinhão que mora em Painel.
Na safra, ele chega a subir de 20 a 30 pinheiros por dia. Ao lado da esposa, cuida da seleção manual da semente. O que antes era descartado, como as falhas: sementes que não se formaram por completo, hoje é reaproveitado como adubo natural nas hortas da propriedade, melhorando a drenagem e a oxigenação do solo, além de criar um ciclo produtivo sustentável.
Tradição que se reinventa
Além de manter a produção agrícola viva, o pinhão também resgata receitas antigas. Inspirado por sua avó, seu Silvino Rosa, pai de Jailson, resgatou uma tradição de infância e passou a produzir café de pinhão.
O método foi adaptado, o fogão à lenha deu lugar a aparelhos modernos, mas o sabor remete à memória afetiva e revela potencial de mercado. Um produto inusitado, exclusivo, com aroma e sabor únicos – um verdadeiro café gourmet da serra.
Outra inovação vem dos chalés rurais de Urubici, onde a anfitriã Valsíria Ribeiro, não só serve pratos com pinhão no café da manhã como desenvolveu farinha artesanal da semente. Ela testa formas de ampliar a produção para atender a pousada e publicou até um livro de receitas. Omeletes, inhoques, pães e até sagu de pinhão são algumas das opções que encantam os hóspedes.
Conhecimento que atravessa gerações
Mais do que renda, o pinhão carrega saberes que passam de avós para netos. Em Bom Retiro, seu Agenor Scarabelot ensina o pequeno Gabriel, de apenas cinco anos, a colher e respeitar o pinheiro.
A relação entre os dois vai além da colheita: é um vínculo feito de escuta, liberdade e valorização da natureza. Para garantir segurança nas subidas, o coletor de pinhão investe na enxertia de árvores novas, uma técnica que permite colher mais rapidamente e em galhos baixos.
Do campo à mesa, o pinhão representa uma cadeia produtiva viva, que respeita o ritmo da natureza e reforça a identidade dos moradores da serra – Foto: Divulgação
“Não tem dinheiro que pague, né? Quando tem uma pessoa jovem querendo aprender o que eu vou aprender, é gratificante” – diz o avô. A lição ultrapassa o campo e se transforma em educação ambiental na prática, mostrando às novas gerações o ciclo da vida e a origem do alimento.
Cooperativas fortalecem a agricultura familiar
A produção familiar de pinhão encontra apoio essencial nas cooperativas. A Ecoserra, em Lages, reúne mais de 400 associados e atua na organização da colheita, comercialização e beneficiamento da semente. Nos últimos 10 anos, foram mais de 80 toneladas de pinhão comercializadas, algumas já processadas em forma de paçoca, café, ou entregues para programas do governo.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é um dos principais destinos desses produtos. Escolas públicas estaduais em Santa Catarina agora são obrigadas, por lei, a incluir o pinhão na merenda escolar, medida que valoriza o alimento regional e garante renda aos produtores. A nutricionista do programa reforça a importância da semente na dieta: rica em fibras, proteínas e carboidratos, é ideal para crianças em fase de crescimento.
A valorização do pinhão também movimenta o turismo. Às margens da BR-282, é comum encontrar produtores vendendo a semente in natura ou em versões já cozidas e temperadas. A paçoca de pinhão é um dos destaques, acompanhada de carne suína e bacon, e vendida por valores acessíveis.
Nos hotéis fazenda da região, pratos como entrevero, bolos e canjicas de pinhão reforçam o vínculo entre o turismo gastronômico e a cultura serrana. O proprietário de um dos hotéis mais tradicionais da serra resume bem esse espírito: preservar o pinheiro é manter viva a paisagem e a identidade local.
E além de tradição e sabor, o pinhão também é um grande aliado da saúde. Fonte de fibras, proteínas e carboidratos, a semente da araucária contribui para o bom funcionamento do organismo, sendo especialmente benéfica na infância, quando o corpo está em desenvolvimento.
Seu valor nutricional torna o alimento uma escolha inteligente para quem busca uma dieta equilibrada, além de reforçar seu papel na segurança alimentar e na valorização da agricultura familiar.
Com sua presença marcante no ecossistema, na mesa, nas tradições e nas novas economias, o pinhão se confirma como um símbolo da Serra Catarinense. Seu ciclo envolve fauna, agricultura familiar, práticas sustentáveis e inovação, sempre com o sabor inconfundível do inverno.
Preservar a araucária e fortalecer essa cadeia é mais do que uma escolha econômica: é um compromisso com a cultura, o meio ambiente e o futuro da região. E se você deseja saber mais sobre esse alimento tão querido, aproveite e assista na íntegra ao episódio do programa Agro, Saúde e Cooperação. O projeto, desenvolvido pelo Grupo ND, tem parceria com a Ocesc, Aurora, SindArroz Santa Catarina, Sicoob e ADS Drones.
Pinhão impulsiona economia, turismo e preservação na Serra Catarinense
Adicionar aos favoritos o Link permanente.