Não acabou! Setor de bares e restaurantes ainda sofre os impactos da pandemia da Covid-19

Setor de bares e restaurantes foi um dos mais afetados durante o período de restrição provocado pela Covid-19 – Foto: Getty Images/ND
A pandemia da Covid-19 foi oficialmente encerrada em março de 2022, mas o reflexo daquele triste cenário segue afetando diversos setores da economia brasileira e ainda não é possível estipular com precisão quando esta herança ficará no passado. Um dos mais impactados foi o de bares e restaurantes, que mesmo tendo movimentado mais de R$ 400 bilhões em 2023 — o equivalente a 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional — ainda enfrenta desafios financeiros e operacionais.
Apesar do alto volume de negócios, muitos estabelecimentos continuam endividados. Mas como pode um setor movimentar tanto dinheiro e ainda passar por dificuldades? Uma das respostas é que, durante a crise sanitária, empresários recorreram a empréstimos bancários para sobreviver às restrições impostas pelos decretos que limitavam o funcionamento de locais com aglomeração.

Dados da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), divulgados pelos Sindicato dos Hotéis, Bares e Restaurantes da região Sul de Santa Catarina, apontam que 40% dos bares e restaurantes de Santa Catarina estão endividados. Cerca de 90% das empresas inadimplentes devem impostos federais, 50% devem impostos estaduais, 30% têm débitos com serviços públicos e 23% têm empréstimos bancários em atraso.
Não para por aí:

17% devem encargos trabalhistas e previdenciários;
13% devem a fornecedores de insumos como alimentos e bebidas;
13% possuem débitos de aluguel;
10% estão em atraso com taxas municipais;
3% devem a fornecedores de equipamentos e serviços.

A análise no setor é que existe uma evidente retomada da normalidade do fluxo de clientes nos estabelecimentos, porém, a conta da pandemia ainda está sendo paga, é alta e o futuro é preocupante. O retorno do público não tem sido suficiente para cobrir os prejuízos acumulados.
Crédito emergencial virou armadilha
O Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) foi uma alternativa crucial durante a pandemia e salvou muitos empreendedores da falência, mas a um alto preço. Na época, a taxa Selic — que serve de base para o cálculo dos juros — estava em 2%. Atualmente, ultrapassa os 14%. Isso elevou consideravelmente o custo da dívida.
Setor de bares e restaurantes ainda tenta se reerguer diante dos reflexos deixados pela pandemia da Covid-19 – Foto: Allan Carvalho/PMF/ND
“Foi uma bela atitude, mas gerou um endividamento acima de 50% no setor. Tem a inflação dos alimentos, em que os principais insumos que o segmento utiliza, como carne e óleos, tiveram aumento absurdo durante a pandemia e não retrocederam”, lamenta o presidente do Sindicato dos Hotéis, Bares e Restaurantes da região Sul de Santa Catarina, o empresário Joster Favero.
Os hábitos mudaram durante a pandemia da Covid-19
Hábitos que se consolidaram no período da pandemia impactam o setor atualmente. Um deles é o delivery. Avaliado como uma das salvações naquele momento, o ‘boom’ do sistema de entrega de lanches em casa virou padrão para os consumidores. Isto significa custo.
“É um hábito que não foi abandonado. Hoje, todos os restaurantes precisam ter um delivery bem estruturado, bem posicionado nas plataformas, e isso acrescenta vários custos à operação que antes não se tinha e que você não consegue repassar completamente para a ponta”, explica.
Inflação dos alimentos pressiona margens
Inflação fora da meta tem impacto em preços dos alimentos – Foto: Edu Garcia/R7/Divulgação/ND
O resumo da ópera é que, três anos após o fim da calamidade pública em saúde, o setor não conseguiu superar 60% do resultado econômico que era atingido na pré-pandemia.
Lembra do PIB gerado em 2023? Estima-se que ele foi produzido mesmo com mais de 70% dos estabelecimentos operando em prejuízo. Em 2024, houve evolução. E 2025 é considerado um bom ano no que diz respeito ao volume de vendas e fluxo de clientes nas casas. Porém:
“Não conseguimos repassar uma inflação de 42% acumulada no preço da carne nos últimos 12 meses, nem os 22% no óleo de algodão. O azeite de oliva subiu mais de 40%”, afirma.
Embora alguns produtos, como arroz e feijão, tenham apresentado queda nos preços, outros, como os ovos, continuam em alta. A instabilidade na cadeia de suprimentos agrava o cenário. “Esse é o extrato por conta de toda essa questão de insumos e de mudança de hábito que veio e ficou”, aponta.
Alto dos preços da carne impactou diretamente o setor de bares e restaurantes – Foto: Divulgação/Abiec
O que o setor precisa para virar a página?
A revisão do Pronampe é o primeiro ponto a ser atacado, mas há dificuldades para obter apoio político suficiente para pautar o Governo Federal.
“O mais urgente seria identificar o nível de inadimplência do Pronampe. Isso está claro para quem contratou um empréstimo a 3%, que naquele momento foi uma tábua de salvação, mas que hoje está em 14% e é impraticável para a maioria dos estabelecimentos. Quase 90% do setor aderiu ao Pronampe”, revela.
A segunda preocupação está na reforma tributária. De acordo com o presidente do sindicato, a expectativa era que o texto apontasse a redução de tributos para o setor. “Mas na nossa última leitura esse tópico havia sido retirado. O peso que se tirou da indústria foi jogado para o setor de serviços. Isso são esclarecimentos que a gente ainda busca ter sobre a regulamentação para o setor de gastronomia”, pontua.
Trabalho e esperança
Em função do momento econômico no Brasil, Favero acredita que o setor levaria ainda mais três anos para superar as dificuldades, isso em um cenário em que as necessidades do setor sejam, de fato, atendidas.
Caso isto se confirmasse, a crise da Covid-19 acabaria em 2028 para o segmento de bares e restaurantes, que também precisa se reinventar administrativamente para se consolidar como setor estruturado.
“A pandemia não serviu para ensinar o nosso segmento, que foi o mais afetado, que a gente precisa ter uma organização forte e coesa para ter voz nas instâncias que vão decidir essas questões”, sustenta.
Favero é proprietário de um restaurante situado na região central de Criciúma. Manter o estabelecimento operando é fruto de superação. A inovação foi o caminho encontrado para captar clientes e encontrar soluções.
“Foram anos muito desafiadores, de a gente se questionar em todos os sentidos, desde a nossa competência enquanto gestor, empreendedor, se a nossa visão e ideia para o negócio estava correta, o que estava acontecendo com o consumidor, essa mudança constante de hábitos”, revela.
Somente em Criciúma, dados do Sindicato dos Hotéis, Bares e Restaurantes da região Sul de Santa Catarina revelam que 40 estabelecimentos ligados à gastronomia fecharam as portas entre 2021 e 2023. Segundo o último levantamento feito pelo observatório socioeconômico da Acic (Associação Empresarial de Criciúma), há 294 CNPJs ativos e regulamentados no setor – antes da pandemia eram cerca de 350.

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