Cascudos da Mantiqueira: duas novas espécies são descobertas no Rio Sapucaí


Peixes endêmicos contam adaptações como dimorfismo sexual dentário. Achado reforça importância do monitoramento e conservação da Serra da Mantiqueira. Neoplecostomus altimontanus foi uma das espécies descobertas pelos pesquisadores na Serra da Mantiqueira
Pedro Uzeda
Duas novas espécies de peixes do gênero Neoplecostomus foram descritas em cabeceiras do Rio Sapucaí, afluente do Rio Grande, na bacia do alto Paraná. Ambas são endêmicas da Serra da Mantiqueira, cadeia montanhosa que se estende pelos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Os novos cascudinhos foram descritos por pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em um artigo publicado na revista Neotropical Ichthyology, na última sexta-feira (6).
A partir da descoberta, a bacia do alto Paraná passa a abrigar 12 das 20 espécies conhecidas de Neoplecostomus, gênero da família Loricariidae – grupo conhecido como “cascudos”. Ao todo, a América do Sul conta com mais de mil espécies de peixes conhecidos como cascudos.
“Essa é a família mais com mais espécies que a gente tem na América do Sul, de água doce. Então em todas as regiões têm cascudos e, principalmente essas de pequeno porte, elas costumam ter uma distribuição geográfica bastante restrita”, explica Pedro Uzeda, um dos autores do artigo.
“Agora que a gente está envolvendo análises genéticas também, vemos que cada cabeceira tem uma coisa diferente, então por isso tem saído artigos de muitas espécies e vai continuar saindo por um bom tempo”, completa. No Brasil, foram descritas cerca de 6 mil espécies de cascudo, mas a estimativa dos biólogos é que esse número possa chegar a 10 mil.
As duas novas espécies de peixes são como primos próximos, mas com diferenças marcantes. O Neoplecostomus altimontanus é mais discreto, com manchas escuras bem definidas espalhadas pelo corpo e uma nadadeira adiposa maior, que ajuda a se destacar em riachos de montanha sombreados.
Neoplecostomus sapucai também é endêmico da Serra da Mantiqueira
Pedro Uzeda
Já o Neoplecostomus sapucai é mais colorido, exibindo barras claras no corpo e uma nadadeira adiposa menor ou até ausente, adaptando-se bem a riachos ensolarados e menos densamente vegetados. Essas distinções não são apenas visuais: refletem a forma como cada espécie se ajustou ao ambiente único onde vive, na altitude da Serra da Mantiqueira.
Diferenças entre outras espécies
As novas espécies encontradas em cabeceiras do Rio Sapucaí podem ser diferenciadas das demais conhecidas por terem duas características curiosas.
Uma delas é o dismorfismo sexual dentário. Enquanto os machos têm cerca de 30 a 40 dentes grandes e grossos na mandíbula, as fêmeas têm cerca de 80 dentes, porém bem menores, mais finos e mais delicados. Como a característica nunca foi vista entre espécies de peixes, faltam referências para estudá-la. Mas os pesquisadores já têm algumas hipóteses.
Figura A mostra macho de Neoplecostomus altimontanus com menos dentes que a fêmea da espécie, mostrada na figura B
Pedro Uzeda
“Normalmente, o formato dos dentes responde muito na alimentação dos animais. É uma coisa que a gente tem que testar. Mas pode ser que os machos e as fêmeas se alimentem de coisas diferentes, provavelmente pelo requerimento nutricional da fêmea, que tem que produzir ovos”, diz Uzeda.
Outra diferença entre os dois novos peixes e outras espécies é a textura quase lisa das laterais de seus corpos. Os cascudos recebem esse nome por terem o corpo revestido por placas ósseas em vez de escamas. Porém, essas duas novas espécies apresentam uma redução de algumas dessas placas, o que dá a textura mais lisa.
Conservação
Como vivem em habitats entre 1.000 a 1.500 metros de altitude, essas espécies são mais sensíveis a mudanças ambientais, sendo muito importante o monitoramento por parte dos órgãos responsáveis.
Levantamentos de biodiversidade nessas regiões visam entender como as transformações climáticas estão afetando essas espécies e seus ambientes. Isso porque, à medida que a temperatura do planeta como todo esquenta, esses animais que estão acostumados a climas mais frios e específicos vão ficando sem habitat.
Localidade de coleta do Neoplecostomus altimontanus no Rio Capivari, riacho que drena o Rio Sapucaí
Pedro Uzeda
“Outra ameaça para eles é remover a mata ciliar, por causa do risco de assoreamento. Como eles vivem entocados nas pedrinhas no fundo do rio, quando o rio começa a assorear esse espaço enche de areia e as espécies não tem mais onde viver”, alerta o biólogo.
VÍDEOS: Destaques Terra da Gente
Veja mais conteúdos sobre a natureza no Terra da Gente
Adicionar aos favoritos o Link permanente.