
Ministros analisam a possibilidade de repasse de informações em processos criminais. Recurso analisado pelos ministros envolve uma medida tomada por autoridades na investigação sobre o caso Marielle Franco. O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, nesta quarta-feira (23), o julgamento do recurso que discute a validade da quebra de sigilo de dados de internet de grupos de pessoas em investigações criminais.
➡️Ou seja, se a Justiça pode autorizar que a polícia e o Ministério Público tenham acesso a dados de outras pessoas que não são necessariamente alvos de investigação criminal.
O recurso analisado pelos ministros envolve uma medida proposta por autoridades no curso da apuração do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018.
Investigadores do caso pediram à Justiça do Rio o acesso a dados de internet de quem pesquisou algumas combinações de palavras relacionadas à Marielle e ao local onde houve o crime (entenda mais abaixo).
O que está em discussão no STF sobre regulação da internet
Início do julgamento
O caso começou a ser deliberado em setembro de 2023, no plenário virtual. Antes de deixar a Corte, a ministra Rosa Weber, relatora do processo, votou para considerar inválido o repasse de dados de forma genérica.
“Não é admissível, como decorrência direta do direito fundamental ao devido processo legal, quebrar o sigilo telemático de pessoas aleatórias sobre as quais não recaiam indícios de cometimento de ilícitos penais”, afirmou a ministra aposentada no voto.
Segundo ela, a medida ocorre “sob pena de legitimar devassa indiscriminada à privacidade de terceiros em relação aos quais inexistem quaisquer suspeitas sobre a prática de ilícitos, em nítida violação dos direitos à privacidade e à proteção de dados pessoais”.
A relatora propôs a seguinte tese:
“À luz dos direitos fundamentais à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao devido processo legal, o art. 22 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) não ampara ordem judicial genérica e não individualizada de fornecimento dos registros de conexão e de acesso dos usuários que, em lapso temporal demarcado, tenham pesquisado vocábulos ou expressões específicas em provedores de aplicação”.
Naquele momento, um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes suspendeu a deliberação.
Retomada em 2024
Em outubro do ano passado, o tema voltou à pauta de julgamentos em plenário presencial. Na ocasião, Moraes apresentou voto que inaugurou a divergência em relação à relatora.
O magistrado entendeu que o procedimento é uma ferramenta importante de investigação e que se trata de uma medida “adequada, razoável e necessária”.
O ministro explicou ainda que as informações não serão publicadas, mas estarão acessíveis apenas a quem participa da apuração.
“Quando se quebra determinados sigilos para auxiliar, corroborar dados investigativos, o que se tem é a autoridade policial, o Ministério Público, o juiz, a defesa… esses têm contato com os dados. Os dados permanecem sigilosos. Não há essa publicização de dados”, declarou.
Em relação ao caso da vereadora, considerou que a atitude dos investigadores foi regular.
“Não são dados genéricos, não são dados arbitrários, não é a polícia querendo saber fofoca de rede social, é a polícia realizando o seu trabalho. É a polícia querendo saber se houve consulta pré-crime, nos dias anteriores, para se traçar algo. A pertinência investigativa é total. A razoabilidade é total. Não houve abuso da autoridade em pedir isso”, pontuou.
“É uma medida adequada, razoável, necessária. Vedação desse método de investigação seria uma tragédia”, completou.
O ministro propôs um entendimento em que estabelece a validade da medida, desde que ela obedeça às regras do Marco Civil da Internet e seja feita a partir de indícios de crimes, com justificativa do motivo do pedido dos dados.
Moraes sugeriu a seguinte tese:
“1) É constitucional a requisição judicial de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, desde que observados os requisitos previstos no artigo 22 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), quais sejam:
(a) fundados indícios de ocorrência do ilícito;
(b) justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória;
(c) período ao qual se referem os registros.
2) A ordem judicial poderá atingir pessoas indeterminadas, desde que determináveis a partir de outros elementos de provas obtidos previamente na investigação e que justifiquem a medida, desde que necessária, adequada e proporcional”.
A posição do ministro foi acompanhada pelo ministro Cristiano Zanin. Na ocasião, o ministro André Mendonça pediu vista (mais tempo de análise).
Caso Marielle
Marielle Franco em imagem de fevereiro de 2017
Renan Olaz/Câmara Municipal do Rio de Janeiro/AFP/Arquivo
A discussão sobre a validade do uso de dados tem como base as investigações sobre a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018.
A questão foi levantada quando o caso ainda estava na Justiça estadual, antes dos avanços na apuração que resultaram nas prisões dos mandantes e no envio do tema ao Supremo, onde a questão tramita atualmente.
Naquele momento da investigação, o Google recorreu ao tribunal de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, em agosto de 2020, manteve a decisão da Justiça do Rio que determinou que a empresa de internet fornecesse aos investigadores do caso Marielle dados que permitam a identificação de computadores e celulares de usuários que pesquisaram as combinações de palavras:
➡️”Marielle Franco”, “Vereadora Marielle”, “Agenda vereadora Marielle”, “Casa das Pretas” e “Rua dos Inválidos”, entre os dias 7 de 14 de março de 2018.
O crime ocorreu no dia 14 de março de 2018. Momentos antes do delito, Marielle participou de um debate na Casa das Pretas, um espaço cultural localizado na Rua dos Inválidos, no Centro do Rio.
Repercussão geral
O recurso tem a chamada repercussão geral reconhecida, ou seja, vai balizar futuras decisões judiciais sobre o mesmo tema em todo o país.
Na prática, a tese aprovada pela Corte será um guia para a aplicação da determinação nas instâncias inferiores da Justiça.