De plantão ‘fantasma’ a remédio vencido: MP aponta fraudes e prejuízo de R$ 574 mil na Santa Casa de Patrocínio Paulista


Após intervenção em hospital, que quase perdeu convênios com SUS, denúncia indica esquema envolvendo direção e médicos. Cinco pessoas foram denunciadas por peculato e organização criminosa. Médicas são acusadas de receber e não trabalhar na Santa Casa de Patrocínio Paulista, SP
Escalas forjadas, médicos que recebiam por plantões não trabalhados, uso de medicamentos vencidos e de etanol combustível para fazer a assepsia hospitalar estão entre as práticas irregulares apontadas pelo Ministério Público que ajudam a explicar um rombo de pelo menos R$ 574 mil nas contas da Santa Casa de Patrocínio Paulista (SP), na região de Ribeirão Preto (SP), entre 2021 e 2023.
Uma das principais unidades hospitalares filantrópicas na regional de saúde de Franca (SP) quase perdeu o credenciamento para atuar pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2023 por desvios apontados por órgãos como o Tribunal de Contas do Estado (TCE) antes de ser assumida por um grupo interventor, com representantes do estado, do município e da sociedade civil, após um pedido da Promotoria de Justiça.
Faça parte do canal do g1 Ribeirão e Franca no WhatsApp
Foi a partir dessa intervenção, e do afastamento da antiga direção, que o MP, por meio de um inquérito civil, apontou uma série de fraudes envolvendo pelo menos cinco pessoas, que respondem por organização criminosa e peculato, quando um funcionário público – ou equiparado a um funcionário público – se apropria de dinheiro ou um bem em benefício próprio em função do cargo que exerce.
Entre os acusados estão a diretora clínica do hospital, a médica Roberta Gilberto Diniz, apontada nas investigações como a chefe do esquema criminoso, além de beneficiária dos pagamentos, e o provedor da Santa Casa, e Keys de Alencar Correa. Os dois já foram condenados em primeira instância por outro processo que os acusou de permitir o uso de medicamentos vencidos e de “álcool de posto” para a limpeza hospitalar.
A defesa da Roberta ainda não teve acesso ao processo e por isso não vai se manifestar. Keys de Alencar Correa ainda não tem advogado constituído.
Santa Casa de Patrocínio Paulista (SP).
Reprodução/EPTV
O atual comitê interventor que gerencia a Santa Casa informou, em nota, que tem adotado medidas para reestruturar a unidade como a reativação de serviços de especialidade médica, como cirurgias, a reorganização das finanças, a negociação de dívidas assumidas pela gestão anterior e o envio de toda apuração de irregularidade às autoridades competentes.
“A Comissão segue firme em seu propósito de restaurar a credibilidade da Santa Casa de Misericórdia de Patrocínio Paulista, reposicionando-a como referência de assistência, acolhimento e compromisso com a saúde pública no município e na região.”
A seguir, entenda o que se sabe sobre as irregularidades e desvios na Santa Casa de Patrocínio Paulista:
Problemas financeiros e convênios em risco
Segundo o Ministério Público, os problemas financeiros na Santa Casa de Patrocínio Paulista já vinham chamando a atenção do Tribunal de Contas do Estado, do Tribunal de Contas da União, da própria Prefeitura e do Conselho Municipal de Saúde. Isso porque, segundo a Promotoria, já vinham sendo constatadas práticas como:
transferências injustificadas de valores, inclusive para contas de particulares;
falta de lançamento em balancetes contábeis;
a destinação de recursos públicos, então reservados para urgência e emergência, para outros serviços, como de marketing.
Além disso, de acordo com o MP, a antiga gestão se recusava a prestar contas dessas movimentações, bem como a devolver recursos gastos indevidamente.
Nesse contexto, já em dificuldades financeiras, a Santa Casa deixou de pagar médicos, enfermeiros, técnicos e fornecedores, mas manteve o pagamento de alguns profissionais, em transações consideradas suspeitas, inclusive direcionadas para a própria diretora clínica do hospital. Esses problemas também repercutiram em uma maior procura de pacientes por serviços de saúde em Franca (SP).
Esse contexto, por força de lei, inviabilizou a celebração de novos convênios pelo Sistema Único de Saúde e, em 2023, levou o Estado de São Paulo a solicitar a rescisão dos contratos vigentes, o que levaria o hospital a encerrar suas atividades em definitivo.
O Ministério Público, então, instaurou um inquérito civil e solicitou a criação de um comitê interventor para assumir a gestão do hospital, o que foi aprovado em 14 julho daquele ano. Desde então, o hospital é gerenciado pelo grupo, formado por representantes do estado, do município, da Santa Casa, da Câmara, do Conselho Municipal de Saúde, da sociedade civil e médica, além da Ordem dos Advogados do Brasil. Os trabalhos são fiscalizados pelo Ministério Público.
Segundo a Prefeitura, a intervenção é válida até 2026, quando um novo comitê deve ser formado.
‘Álcool de posto’ na limpeza e medicamentos vencidos
Logo depois da mudança na direção da Santa Casa, o MP levantou indícios de irregularidades no hospital, entre eles a utilização de “álcool de posto”, etanol que deveria ser usado para abastecer carros, para desinfecção de quartos e limpeza de superfícies, bem como a utilização de medicamentos vencidos de outros hospitais nas dependências da Santa casa.
Essa constatação foi alvo de um processo, que resultou na condenação de três pessoas, entre elas Keys e Roberta.
Eles foram condenados em primeira instância por falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, bem como por vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo. Ainda cabe recurso.
Desvio de recursos com plantões fantasmas
Na sequência, o MP apresentou uma nova denúncia, reportando um esquema de desvio de recursos públicos, recebidos por meio de convênios, pelo pagamento de médicos por plantões “fantasmas” na Santa Casa.
De acordo com a Promotoria, as diligências indicaram que R$ 574,2 mil foram gastos indevidamente para ao menos três médicas que estavam trabalhando em outras unidades de saúde quando deveriam estar “de retaguarda”, ou seja, integralmente disponíveis para atuar na Santa Casa de Patrocínio Paulista.
Arte mostra quem são os acusados de peculato na Santa Casa de Patrocínio Paulista (SP).
Arte/EPTV
A denúncia cita que isso ocorria por meio da elaboração de escalas de trabalho fictícias, encaminhadas para o setor de faturamento do hospital, que autorizava os pagamentos.
Desse total, o MP denuncia que R$ 363,1 mil foram de pagamentos registrados em favor da diretora clínica Roberta, como plantonista e também suspeita de coordenar as fraudes. As investigações indicam que ela recebeu por plantões quando também estava atuando em unidades de saúde de Franca (SP) e Capetinga (MG).
Outros R$ 174,2 mil, segundo a denúncia, foram de pagamentos registrados para plantões em nome da médica Regina Helena de Freitas Lopes, que atuou em unidades de saúde de Cristais Paulista (SP) e Itirapuã (SP) mesmo estando de sobreaviso na Santa Casa de Patrocínio Paulista.
O Ministério Público ainda identificou R$ 36,8 mil pagos em nome da médica Luiza Poubel Marques. Em um dos exemplos mencionados na denúncia, o MP cita que ela deveria estar de retaguarda na pediatria em Patrocínio Paulista, mas, ao mesmo tempo, trabalhou em Franca.
Vista de Patrocínio Paulista (SP).
Reprodução/EPTV
Também foram alvos da denúncia do MP o então provedor da Santa Casa, Keys de Alencar Correa, acusado de agir sob orientação de Roberta, e Alisson Bruzon de Assis, do setor financeiro, acusado de autorizar os pagamentos fraudulentos.
Ao avaliar a denúncia, a Justiça acatou o pedido cautelar para que os acusados fiquem proibidos de firmar novos contratos com o poder público.
O que dizem os acusados
A defesa de Roberta Gilberto Diniz disse que ainda não teve acesso ao processo e por isso ainda não vai se manifestar. Keys de Alencar Correa e Regina Helena de Freitas ainda não têm advogado.
A reportagem não conseguiu localizar as defesas de Luiza Pubel Domingues e de Alisson Bruzon de Assis.
Veja mais notícias da região no g1 Ribeirão Preto e Franca
VÍDEOS: Tudo sobre Ribeirão Preto, Franca e região
Adicionar aos favoritos o Link permanente.