
A Câmara dos Deputados vai começar, nesta terça-feira (20), o debate sobre o uso responsável da Inteligência Artificial (IA) no Brasil. De acordo com o presidente da Casa Legislativa, deputado Hugo Motta (Republicanos/PB), a Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei 2338/2023, vai ser instalada nesta tarde.
A primeira reunião da Comissão para oficializar a instalação e eleger o presidente e vice-presidente foi marcada na agenda da Câmara para as 14h desta terça-feira. Apesar de não constar no sistema da Casa Baixa o nome do relator do projeto, Motta adiantou que o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP/PB), vai ser o responsável por proferir o parecer.
“Está aqui o relator, o deputado Aguinaldo Ribeiro, que cuidará de uma das agendas mais importantes que o Brasil terá esse ano, que é discutir as novas tecnologias, como nós vamos nos posicionar com relação à Inteligência Artificial, que já é uma realidade, para que o nosso país não fique prejudicado nesse ambiente internacional onde o mundo já se prepara para viver essa nova realidade”, adiantou Motta, durante discurso no 14º Lide Investment Forum, em Nova York.
O projeto que busca regulamentar a IA foi eladorado pelo ex-presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PDS/MG), em 2023. A matéria contém 80 artigos que tratam sobre a ferramenta com foco na centralidade da pessoa humana. O texto passou pela análise dos senadores e foi aprovada em dezembro de 2024.
A proposta chegou à Câmara em março deste ano e aguarda a instalação da comissão para iniciar a tramitação. Motta defendeu a regulamentação a IA no Brasil e garantiu que a Casa Baixa vai “avançar nessa agenda”.
“Nós precisamos ter uma legislação que nos traga segurança, que nos ajude a impulsionar economicamente, a aproveitar do ponto de vista tecnológico esses avanços e o Brasil ter competitividade nessa área tão importante, que é inerente à vida de todos nós hoje”, destacou. “A Inteligência Artificial faz parte da vida de cada um de nós, desde o ambiente familiar até o ambiente de trabalho”, acrescentou o presidente da Câmara.
Entenda o projeto
De acordo com o texto referendado pelo Senado, a nova lei busca estabelecer normas gerais para o desenvolvimento e implementação da IA em território nacional, buscando “proteger os direitos fundamentais” e garantir “sistemas seguros e confiáveis”.
A proposta se baseia no princípio da centralidade da pessoa humana, o que significa que nenhuma criação baseada em IA deve ser implementada sem considerar se respeita os direitos fundamentais, promove o bem-estar coletivo e oferece benefícios reais à população. Em outras palavras, a inovação deve caminhar ao lado da ética, da segurança e da democracia.
O texto do PL estabelece dez fundamentos para guiar o desenvolvimento e a implementação da inteligência artificial no país. Entre eles, estão a centralidade da pessoa humana, o respeito aos direitos humanos e aos valores democráticos, a liberdade para o desenvolvimento da personalidade, a proteção ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável, o respeito aos direitos trabalhistas, a defesa do consumidor e a garantia da privacidade.
Além desses princípios, o uso da IA deverá observar diretrizes como supervisão humana efetiva, transparência, prestação de contas, segurança da informação e robustez técnica dos sistemas. O objetivo é garantir que as decisões automatizadas não sejam caixas-pretas incontroláveis, mas ferramentas confiáveis e compreensíveis.
Outro ponto central do projeto é a garantia de direitos às pessoas impactadas por decisões automatizadas. O texto assegura o direito à informação prévia sobre interações com sistemas de IA, o direito à explicação sobre decisões, recomendações ou previsões feitas por esses sistemas e o direito de contestar decisões que produzam efeitos jurídicos ou impactem significativamente os interesses do indivíduo.
Também estão previstos o direito à participação e à determinação humanas nas decisões sensíveis, o direito à não-discriminação e à correção de vieses algorítmicos, além da proteção à privacidade e aos dados pessoais, conforme a legislação em vigor.
O projeto ainda estabelece proibições claras. É vedado o uso de sistemas de IA que explorem vulnerabilidades de grupos específicos, como crianças, idosos ou pessoas com deficiência, bem como a aplicação de técnicas subliminares capazes de induzir comportamentos prejudiciais ou perigosos à saúde e à segurança das pessoas.
Outra proibição importante diz respeito ao uso, pelo poder público, de sistemas que classifiquem ou ranqueiem indivíduos com base em atributos da personalidade ou comportamento social, de forma ilegítima ou desproporcional. Essas restrições buscam coibir práticas discriminatórias e invasivas, garantindo que a IA não seja utilizada para fins autoritários ou de controle social indevido.
Para viabilizar e fiscalizar a aplicação da futura lei, o PL propõe a criação do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA). O órgão será responsável por promover o desenvolvimento tecnológico nacional, regulamentar regimes diferenciados de uso da IA e avaliar aplicações de alto risco, como ferramentas utilizadas em processos de recrutamento, avaliação de desempenho, decisões sobre demissões ou promoções e gestão de trabalhadores. Nesses casos, será exigida a análise de impacto regulatório e a garantia de participação social no processo de autorização.
Para o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), regulamentar a inteligência artificial é uma tarefa urgente, mas complexa. Ele chama atenção para a velocidade com que a tecnologia avança. “O telefone fixo levou 75 anos para chegar a 100 milhões de usuários. O celular, 16 anos. A internet, 7. O ChatGPT chegou a 100 milhões em apenas dois meses”, afirmou no Fórum de líderes, em Nova York. Segundo ele, “estamos tentando regular algo que se transforma com uma velocidade estonteante”.
Ao estabelecer diretrizes claras e baseadas em direitos humanos, o PL 2338/2023 representa um passo importante para posicionar o Brasil entre os países que buscam equilibrar inovação tecnológica com proteção social e ética. A proposta reconhece os potenciais benefícios da IA, mas também se antecipa aos riscos, especialmente em contextos de desigualdade social, racismo estrutural e exclusão digital.
Cenário mundial
A regulamentação da IA é alvo de debate em todo o mundo. As principais economias globais já implementaram ou caminham no sentido de estabelecer regras para o desenvolvimento e uso da tecnologia. Isso porque existe uma preocupação crescente em relação aos riscos que o mau uso da ferramenta oferece para a humanidade.
Em 2023, Elon Musk, dono da Tesla e do X (antigo Twitter), e dezenas de executivos do setor de tecnologia publicaram uma carta alertando para esses perigos. “Os sistemas de IA contemporâneos estão se tornando competitivos em tarefas gerais, e devemos nos perguntar: devemos deixar que as máquinas inundem nossos canais de informação com propaganda e falsidade?”, questionaram, no documento.
Nesse sentido, em dezembro daquele ano a União Europeia fechou um acordo histórico. Os países europeus firmaram um tratado político sobre um projeto de lei para garantir o uso seguro da IA em todo o bloco. As normas incluem a regulação de sistemas como o ChatGPT, que se popularizou no último ano e foi responsável pelo aquecimento das discussões sobre inteligência artificial.
Embora ainda precise ser votada pelo Parlamento e pelo Conselho Europeu para ter validade, a chamada Lei da IA é pioneira por ser a primeira legislação com regras gerais sobre a tecnologia no mundo. Além da Europa, o Japão, Singapura, Coreia, Canadá, Índia, Reino Unido e outros países da América Latina, como a Colômbia, avançaram na regulamentação da ferramenta.
O projeto brasileiro que será discutido na Câmara a partir desta terça-feira (20), foi inspirado na legislação europeia e está de acordo com as normas estabelecidas em outros lugares do mundo, como nos Estados Unidos e na China.