Cientistas querem trazer espécies extintas de volta ainda nesta década; veja as promessas e entenda críticas


g1 ouviu especialistas para traçar um panorama realístico da chamada ‘desextinção’, tema que além de levantar debates éticos é motivo de desconfiança de especialistas por causa das incertezas sobre as consequências ecológicas desses projetos. Desextinção de espécies: ficção ou realidade?
🎥Imagine um filme com essa sinopse:
Cientistas de uma grande empresa americana de biotecnologia se unem em uma missão audaciosa para trazer de volta à vida espécies extintas utilizando engenharia genética. Com a ambição de reintroduzir essas criaturas até 2028, eles enfrentam desafios práticos, como a gestação em elefantes e a criação de células editadas em galinhas para garantir um retorno seguro desses animais aos seus habitats naturais.
Você está achando que já viu algo do tipo? E se te contarmos que não estamos falando de uma continuação da famosa saga “Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros”?
Longe das telonas e bem perto da realidade, esse “roteiro” é a ambição de um grupo de cientistas que trabalha num campo curioso (e eticamente tortuoso) da Ciência: o da desextinção de espécies.
Eles não querem criar uma “Ilha Nublar” para abrigar esses répteis que viveram no nosso planeta há milhões de anos, mas têm uma história muita parecida com a série de livros que inspirou a franquia do diretor Steven Spielberg.
A ideia por trás dessas empreitadas – sim, temos alguns diferentes projetos – é reviver outras espécies extintas, como o mamute-lanoso, o lobo-da-tasmânia, o dodô e o pombo-passageiro (entenda mais sobre essas espécies abaixo).
Os defensores da desextinção argumentam que isso representaria um importante avanço científico, já que a humanidade poderia evitar ondas de extinção em massa que ameaçam uma crescente lista de espécies.
“Os benefícios que a biotecnologia pode trazer para espécies ameaçadas e ecossistemas não serão nada comuns — serão transformadores”, diz ao g1 Ben Novak, cientista-chefe da Revive & Restore, uma das principais organizações com estudos do tipo.
Mas isso, claro, também poderia significar a possibilidade de trazermos de volta à vida animais que habitaram a Terra há milhões de anos, algo que traria várias implicações ecológicas e éticas.
Além disso, um argumento comum contra essa técnica polêmica é o fato de que ela pode representar uma utilização ineficiente dos nossos recursos de conservação ao desviar montantes preciosos que não estão sendo usados para preservar espécies que ainda correm riscos.
“Gastar centenas de milhões de dólares para trazer de volta um mamute híbrido com alguma coisa para soltar na conservada Sibéria é contraproducente quando estamos de fato lidando com a sexta extinção em massa em meio à uma crise climática sem precedentes”, defende Luís Fábio Silveira, vice-diretor do Museu de Zoologia da USP.
Entre argumentos contra e favor, está o consenso de que o desenvolvimento de novas técnicas de biotecnologia nessa área vem avançando, mas ainda estão longe de se tornarem reais.
🧬Abaixo, entenda o que é ficção e o que é realidade a respeito da desextinção.
O que os cientistas querem ‘desextinguir’
Temos pelo menos duas grandes organizações (a Revive & Restore e a Colossal Biosciences) e dois outros projetos (o Taurus e o Quagga) dedicados a pesquisas nessa área.
Fundada em 2012, a Revive se dedicou inicialmente à promoção da desextinção do mamute-lanoso, a espécie final de mamute que se ajustou às regiões mais setentrionais do nosso planeta, mas que foi extinta há cerca de 10 mil anos.
Entre 2013 e 2021, o geneticista de Harvard, George Church, colaborou com a empresa, mas depois disso, a iniciativa de desextinção do mamute foi assumida pela Colossal, empresa cofundada por Church.
O dodô pesava cerca de 23 kg, tinha plumagem azul-acinzentada, um grande bico preto e asas pequenas. Hoje, restam apenas alguns fragmentos da espécie, como cabeças e pés, em museus.
Colossal Biosciences
Já a Revive & Restore tem estudos com algumas espécies extintas e outras também ameaçadas, como o pombo-passageiro, uma espécie que, no passado, habitava grandes áreas da América do Norte, e a doninha-de-patas-pretas, que é objeto de clonagem para restaurar sua diversidade genética.
Já os projetos Tauros e Quagga buscam “ressuscitar” espécies extintas por meio de métodos de reprodução seletiva (entenda mais abaixo), sem o uso de engenharia genética, como é o foco da Revive e Colossal.
O projeto Tauros se concentra na recriação do auroque, um ancestral do gado moderno, enquanto o projeto Quagga visa trazer de volta a quagga, uma subespécie de zebra que viveu principalmente no século XIX, mas que foi extinta na natureza no final da década de 1870.
Prazos e metas
Dá para dizer que a desextinção meio que já funcionou – mas não deu muito certo.
Isso porque, em 2003, cientistas tentaram trazer de volta à vida o íbex-dos-pirenéus (Capra pyrenaica pyrenaic), uma espécie de cabra selvagem que estava extinta.
Eles conseguiram criar um clone a partir de uma amostra de DNA preservada do caprino. No entanto, o clone, que recebeu o nome de Isabella, sobreviveu apenas alguns minutos após o seu nascimento. Isto é, nessa tentativa de reverter uma extinção, esse foi um passo importante, mas a recuperação completa desse espécie (e de qualquer outra) ainda não foi alcançada.
Por isso, se algum desses projetos mencionados derem certo – de fato -, eles serão considerados bastante pioneiros e inovadores. Entenda o cronograma de cada um deles abaixo:
Revive and Restore: doninhas e pombos🐦
Novak diz que os planos da Revive preveem a recriação dos pombos-passageiros entre 2029 e 2032. Para isso, ele diz que a empresa vai desenvolver células-tronco de aves e aprimorar técnicas de edição genética.
Na prática, a ideia é modificar o DNA de pombos que ainda existem, fazendo com que esses pássaros se pareçam com os extintos. Para isso, Novak diz que estudar o DNA de espécimes em museus será algo essencial, pois isso ajudará a identificar as características que permitiam que esses pombos formassem grandes bandos e influenciassem seus habitats.
O pombo-passageiro, uma espécie que, no passado, habitava grandes áreas da América do Norte.
Revive & Restore
“Durante a década de 2030, nosso cronograma é produzir as primeiras gerações de novos pombos-passageiros e trabalhar com proprietários de terras para criar um número suficiente de aves para liberá-las na natureza entre 2040 e 2050”, ressalta.
Até agora, porém, os esforços do projeto não resultaram em avanços significativos. O que foi alcançado até o momento se resume a sequenciamentos do genoma do pombo-torcaz, uma espécie importante para entender as características genéticas que podem ser restauradas no pombo-passageiro, além de investigações sobre o impacto ecológico da espécie extinta em florestas atuais
“Durante a década de 2030, nosso cronograma prevê a produção das primeiras gerações de novos pombos-passageiros e o envolvimento de proprietários de terras na criação de um número suficiente de aves para que possamos liberá-las na natureza entre as décadas de 2040 e 2050. No entanto, é provável que leve um século até que esses bandos alcancem um tamanho suficiente para ter um impacto significativo nos ecossistemas florestais”, acrescenta Novak.
Já com o projeto das doninhas-de-patas-pretas, a Revive & Restore espera aumentar a diversidade genética da espécie, que atualmente é limitada. Isso porque todas as doninhas vivas hoje descendem de apenas sete indivíduos, o que torna a espécie vulnerável a doenças e reduz sua capacidade de adaptação a novas condições ambientais.
Até agora, eles conseguiram clonar três doninhas: Elizabeth Ann, que nasceu em 2020, e as gêmeas Noreen e Antonia, que nasceram recentemente. Todas são geneticamente idênticas a Willa, uma das últimas doninhas encontradas na natureza, que têm três vezes mais variações genéticas do que as doninhas que vivem hoje, o que pode ajudar muito na sobrevivência da espécie.
O problema é que a pesquisa também ainda enfrenta desafios. Uma das doninhas, por exemplo, não conseguiu se reproduzir por conta de um problema de saúde que não tem relação com a clonagem. Já outras duas só poderão ser utilizadas para reprodução quando atingirem a maturidade.
A doninha-de-patas-pretas Elizabeth Ann, que nasceu em 2020.
Revive & Restore
Colossal Biosciences: dodôs, mamutes e lobos-da-tasmânia 🦣🦤
A Colossal tem planos parecidos com os da Revive, mas em ambos os casos, persiste também a dúvida sobre como esses animais se comportarão em um mundo que mudou muito desde suas extinções.
No caso do dodô, por exemplo, uma espécie extinta de aves da família dos pombos que foi muito caçada no século 17, a estratégia também passa pelo sequenciamento do seu DNA, que inclusive já foi feito, usando a informação genética extraída de um crânio da coleção do Museu de História Natural da Dinamarca.
Feito esse passo, a Colossal diz que agora estuda como usar galinhas “hospedeiras” para criar embriões que tenham o DNA do dodô. Ou seja, a ideia aqui é que essas aves consigam gerar filhotes que se pareçam com o dodô, uma espécie de híbrido “galinha-dodô”.
Mas o objetivo geral é mais amplo. A empresa espera que o dodô que será “desextinto” seja igual ao que conhecemos.
Prazos concretos para isso, porém, ainda não foram divulgados, mas a Colossal diz que planeja comparar o DNA do dodô com o de aves que são suas parentes, como o pombo Nicobar, encontrado em pequenas ilhas do Oceano Índico, perto de onde vivia o dodô.
Dessa forma, a empresa garante que será possível identificar as exatas características que precisam ser recuperadas do dodô.
Já no caso do mamute, a meta de “desextinção” está fixada para 2028, quando a Colossal espera criar um embrião viável que possa ser implantado em uma elefanta.
Avanços importantes já foram feitos: a empresa conseguiu produzir, por exemplo, células-tronco de elefante que podem ser modificadas para incluir genes de mamute.
Representação artística mostra um mamute-lanoso, espécie extinta há 10 mil anos.
Colossal Biosciences
Agora, o próximo objetivo é editar geneticamente essas células e juntá-las a um óvulo de elefante, onde mora o desafio. Isso porque não é certo que esses genes modificados serão aceitos pelas células do elefante, e o embrião pode não se desenvolver corretamente no útero da espécie.
Por fim, no caso do lobo-da-tasmânia (ou tigre-da-tasmânia), a ideia da empresa é usar um parente vido dessa espécie de marsupial, o dunnart de cauda gorda, para realizar as edições necessárias no seu material genético.
Até agora, mais de 300 alterações foram feitas nesse DNA, transformando células do dunnart em células do tigre-da-tasmânia. Além disso, eles conseguiram extrair RNA de uma cabeça de tigre-da-tasmânia preservada há 110 anos. O último sobrevivente da espécie viveu em cativeiro até 1936.
Projeto Taurus: auroques 🐂
A ideia aqui é um pouco diferente dos projetos da Colossal e da Revive. O Tauros é uma iniciativa que visa reintroduzir espécies do auroque, um bovino selvagem que habitou a Europa, Ásia e norte da África, não por meio de engenharia genética, mas sim utilizando um método de reprodução seletiva.
Para isso, o programa utiliza uma técnica chamada “back-breeding”. Na prática, eles cruzam vacas com traços físicos e comportamentais semelhantes aos dos auroques, buscando assim recriar um animal que se assemelha ao original.
E a iniciativa tem mostrado resultados promissores, com várias gerações de vacas já sendo criadas e se aproximando das características do auroque.
Projeto Quagga: zebras com menos listras 🦓
Assim como no projeto dos auroques, esse grupo da África do Sul trabalha para trazer de volta a quagga, um tipo de zebra extinta há mais de cem anos.
A ideia aqui também é recorrer ao cruzamento seletivo por meio da utilização das chamadas zebra-da-planície (uma espécie de equídeo existente na savana africana) para recriar as características da quagga, selecionando animais que possuem o mesmo padrão de listras característico dessa subespécie, que tinha manchas marrons na cabeça e no pescoço.
Um quaga fêmea no Zoológico de Londres, em foto de 1870.
Wikemedia/Domínio Público
Viabilidade das promessas é incerta
Para a bióloga e paleontóloga Taíssa Rodrigues, um dos principais problemas que dificultam a concretitude dessas pesquisas que envolvem engenharia genética (que não é o caso dos projetos Taurus e Quagga) é justamente a falta de um genoma completo dessas espécies extintas.
Rodrigues afirma que a única forma de empresas como a Colossal produzirem um híbrido entre espécies extintas, como o mamute-lanoso e um elefante, é através de melhorias em iniciativas que impactem a conservação das espécies atuais.
“A própria empresa aponta é que não é possível ‘reviver’ ou ‘des-extinguir’ o mamute-lanoso. Necessariamente, seria um híbrido. E para isso eles teriam que desenvolver novas técnicas que precisam passar pela reprodução de elefantes por inseminação artificial, por exemplo, algo que hoje ainda não é viável”, diz a pesquisadora, que também é professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Fora isso, Rodrigues ressalta que, mesmo que a reprodução assistida funcione, o principal problema na conservação de elefantes — que é a caça — ainda não estaria sendo abordado.
Nos últimos anos, segundo estimativas da ONG WWF, cerca de 20 mil elefantes têm sido mortos anualmente na África devido à caça por suas presas. Além disso, eles perderam 30% de seu habitat.
“Já o prazo de 2028 me parece inviável. As técnicas necessárias para isso precisam antes ser demonstradas em elefantes”, destaca.
Na mesma linha, Joe Bennett, professor no Departamento de Biologia da Universidade Carleton, no Canadá, considera que dentro desse tema da viabilidade, uma nova espécie “desextinta” até poderia, em tese, ajudar a restaurar seu ambiente original, mas isso é muito improvável.
Isso porque a mudança provocada pela ação humana nos habitats onde essas espécies viviam é irreversível, e as ameaças que levaram à sua extinção ainda estão presentes.
No caso dos mamutes, por exemplo, ele diz que o aquecimento do Ártico torna ainda mais difícil a adaptação de uma espécie ressuscitada às condições do passado.
[Caso essas pesquisas deem certo] a maioria das espécies ‘ressuscitadas’ terá DNA predominantemente de espécies existentes, devido à falta de material genético completo e à necessidade de um pai substituto. No caso do mamute-lanoso, é irreal esperar que um animal que se assemelhe a ele, mas que seja principalmente um elefante asiático, consiga prosperar no Ártico. Na verdade, essa criatura pode estar mais adaptada à selva asiática, já que a tundra e a floresta tropical são ambientes extremamente diferentes.
Ilustração de um lobo-da-tasmânia, espécie de marsupial nativo da Austrália e Nova Guiné.
Wikemedia/Domínio Público
Outro ponto importante levantado por Hugh Possingham, especialista em conservação ambiental australiano, é que uma população geneticamente diversa é crucial para a sobrevivência e adaptação de diversas espécies.
Por isso, ele questiona a viabilidade de trazer de volta à vida esses animais, como o tigre-da-tasmânia, pois, mesmo que um único exemplar seja de fato gerado, a dificuldade vai muito além disso.
“Ensinar um tigre a se comportar como um verdadeiro tigre-da-tasmânia não é tarefa fácil. A criação de uma população selvagem exige a existência de muitos indivíduos com diferentes traços genéticos para que possam se reproduzir e sobreviver em um ambiente natural”, ressalta.
Além disso, Possingham explica que, no caso dessa espécie, os fatores que causaram a sua extinção ainda estão presentes e podem novamente impactar o animal, como a destruição do seu habitat natural e a competição com espécies introduzidas no ambiente.
Questões éticas na mesa
Fora tudo isso, a discussão sobre a desextinção levanta questões éticas importantes. Por um lado, defensores dessa ideia argumentam que a humanidade pode evitar extinções em massa que ameaçam muitos animais.
Por outro lado, há quem diga que esse tipo de projeto traz implicações ecológicas e éticas que não compensam. Quem defende essa visão argumenta que é mais fácil e barato preservar espécies em risco do que investir grandes quantias em projetos tão ambiciosos.
Um dos pontos críticos é que os programas de desextinção podem reativar, por exemplo, patógenos associados a espécies extintas. Isso porque é difícil garantir que vírus ou microrganismos adormecidos no material genético desses animais não sejam reintroduzidos.
Alguns patógenos podem ser específicos de uma espécie, inclusive, mas outros podem afetar ecossistemas modernos de maneiras desconhecidas. Além disso, é possível que os animais ressuscitados tragam doenças antigas para as quais as espécies atuais não têm imunidade.
“É muito difícil avaliar esses riscos quando se lida com espécies extintas há muito tempo. Devemos considerar que qualquer espécie extinta deve ser cuidadosamente rastreada para patógenos antes da reintrodução”, alerta Piero Genovesi, um dos principais especialistas em ecologia animal do mundo e chefe do Serviço de Consultoria em Vida Selvagem do Instituto Italiano para Proteção e Pesquisa Ambiental (Ispra, na sigla em italiano).
Além disso, como não temos ainda um genoma completo desses animais extintos, com as técnicas atuais, não conseguiremos trazer de volta um mamute ou um dodô como eles eram de fato, mas sim animais híbridos com espécies viventes próximas.
Portanto, alguns especialistas consideram que falar em desextinção é até mesmo um exagero, já que os animais-alvo não serão “de-extintos” de fato.
“De maneira geral, nossa abordagem em relação ao investimento em espécies ameaçadas é irracional. Deveríamos nos esforçar para salvar o máximo de espécies possível dentro do nosso orçamento limitado, o que implica adotar uma abordagem baseada na relação custo-efetividade”, acrescenta Possingham.
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