‘Ação da PM que prendeu indígena baleado em conflito no PA foi ilegal e excessiva’, diz presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos


CNDH pede troca de comando da PM em região de tensão e criação de gabinete de crise. Governo estadual diz que apura situação. Empresa envolvida alega que teve áreas particulares invadidas e bens depredados. Indígena baleado é detido após saída de hospital no Pará
O presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), André Carneiro, definiu como “ilegal e excessiva” a ação da Polícia Militar do Pará que prendeu indígena baleado em conflito com seguranças de empresa exploradora de óleo de dendê no nordeste do estado, que deixou três feridos.
O conflito é chamado por pesquisadores de “guerra do dendê”, que envolve disputas de terra entre empresas de exploração de óleo de palma e comunidades tradicionais.
Em reunião com autoridades paraenses na terça-feira (8), o conselho pediu imediato afastamento do comando da PM na região e solicitou ao governo do Pará, em conjunto com o governo federal, a instalação de gabinete de crise para controlar a tensão entre indígenas e seguranças, que prestam serviço para a empresa Brasil BioFuels (BBF).
A empresa afirma que tem suas áreas de plantações de dendezais constantemente “invadidas” e “tem bens depredados”. Já a Secretaria de Segurança Pública do Pará (Segup) anunciou que, “apesar do caso ter ocorrido dentro de propriedade particular, toma providências, dentro de atribuições do Estado, para esclarecer as circunstâncias do ocorrido”.
“A prisão de um indígena que havia acabado de ter sido baleado no conflito de Tomé-Açú é ilegal porque não havia flagrante”, afirma Carneiro. O indígena tinha sido atingido por disparos durante um protesto na segunda-feira (7) que teve repressão armada de seguranças da BBF. A empresa, por outro lado, alega que os indígenas também estavam armados. Vídeos mostram carros da empresa incendiados.
Indígenas baleados, veículos incendiados e PA-140 desinterditada
“A atitude da Polícia, em especial de forçar a entrada no local da manifestação, foi excessiva e desproporcional diante do fato dos conflitos serem recorrentes na região, e também porque as forças se demonstram incapazes de garantir os direitos dos povos indígenas, em especial do povo Tembé”, afirma o presidente do CNDH.
A reunião começou por volta das 10h30 de terça-feira, no Centro Integrado de Comando e Controle, em Belém. O governador tinha sido convocado, mas como estava envolvido no primeiro dia da Cúpula da Amazônia, ele foi representado pelo titular da Segup, Ualame Machado.
Estavam presentes também a secretária dos Povos Indígenas do Pará, Puyr Tembé; o secretário estadual de Igualdade Racial e Direitos Humanos, Jarbas Vasconcelos; além de parlamentares estaduais.
Autoridades federais também foram à reunião que avaliou a situação dos indígenas Tembé com a empresa BBF.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, que também está em Belém para a Cúpula da Amazônia, disse que o Ministério acompanha o caso.
“Vamos acompanhar o que a polícia do Estado está fazendo e há também missões do Ministérios do Direitos Humanos, da Conselho Nacional dos Direitos humanos acompanhando. O que é necessário é que haja investigação, obviamente, atuação do poder judiciário para que não haja violência e a negociação para que haja solução na controvérsia em torno da questão fundiária”.
Segundo a Segup, o policiamento na área de conflito foi reforçado e as Polícias Civil e Militar estão em diligências para esclarecer os fatos, instaurar inquéritos e identificar os envolvidos no caso desta segunda-feira (07).
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) também anunciou, em nota, que atua para responsabilizar envolvidos no conflito que deixou três feridos, sendo um deles em estado grave.
Entenda
Um dos três indígenas da etnia Tembé baleados no Pará foi detido pela PM na segunda-feira (7) por suspeita de dano ao patrimônio da empresa envolvida no conflito.
Ele foi preso logo após sair do hospital, quando estava a caminho da delegacia de Tomé-Açú para registrar boletim de ocorrência, e foi liberado com a chegada de comitiva de defensores dos direitos humanos, que incluía o CNDH.
Antes, um vigilante que seria autor de disparo que feriu um outro indígena na sexta (4) tinha sido preso.
Vídeo registrou o momento em que os policiais prenderam o indígena durante um protesto em repúdio à ação na sexta-feira. Os seguranças usaram armas de fogo e também de menor letalidade para dispersar os indígenas, segundo os advogados da comunidade.
Segundo a empresa, equipamentos foram incendiados por indígenas.
Reprodução
Na segunda (7), o protesto dos indígenas da etnia Tembé, que vivem nas áreas cercadas pelas fazendas da BBF, foi marcado pelo tiroteio, mesmo com a Polícia Militar realizando rondas na região.
Três indígenas foram atingidos – entre eles, uma mulher que ficou gravemente ferida na garganta. Ela foi encaminhada para Belém, onde passou por cirurgia na tarde de terça-feira. O estado de saúde dela é estável, segundo familiares. Outra mulher foi atingida na coxa e já recebeu alta.
Indígena atingido nas costas recebeu alta e depois foi detido quando ia registrar boletim de ocorrência no Pará
Reprodução
O indígena atingido nas costas recebeu alta também na segunda-feira. Ao deixar o hospital, em Tomé-Açu, ele estava indo até a delegacia para registrar boletim de ocorrência, quando recebeu voz de prisão de policiais militares. Ele foi levado para a Delegacia de Castanhal.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Pará (Segup) disse que indígena foi detido para apuração do dano causado no prédio privado e, após prestar depoimento, foi liberado. Um inquérito policial foi instaurado para apurar o caso, segundo a secretaria.
O tiroteio que atingiu os indígenas, e a prisão de um deles, gerou um protesto na rodovia PA-140, que chegou a ser interditada na segunda-feira. A pista foi liberada, assim que o indígena também foi liberado na delegacia de Castanhal.
Rodovia no Pará foi interditada em protesto contra ataque a tiros a indígenas
Virgínia Berriel
Início do conflito
Os indígenas afirmam ter sido baleados em repressão ao protesto que cobrava agilidade nas investigações do caso do jovem Tembé baleado na aldeia Bananal.
Sobre o episódio de sexta-feira, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) disse que o vigilante identificado como autor do disparo foi apresentado na segunda-feira (7), na Superintendência de Polícia Civil de Castanhal e encaminhado ao sistema penitenciário.
Em nota, a empresa mencionada pelos indígenas como responsável pelos disparos alega que seguranças reagiram à invasão com equipamentos incendiados e edificações destruídas.
“O Grupo BBF (Brasil BioFuels) esclarece que o Polo de Tomé-Açu, propriedade privada da empresa composto pela Agrovila, Administração Geral e Áreas de Infraestrutura, foi novamente invadido e teve equipamentos incendiados e edificações destruídas”.
Ainda segundo a empresa, “na ação, cerca de 30 invasores armados ameaçaram e agrediram trabalhadores da empresa no local, antes de incendiar dezenas de tratores, maquinários agrícolas e edificações da empresa. Em defesa, a equipe de segurança privada da Companhia conseguiu conter a ação criminosa dos invasores e resguardar a vida dos trabalhadores que estavam no local”.
A empresa não especificou quantos equipamentos teriam sido destruídos e diz que “já tomou as medidas jurídicas cabíveis junto ao poder judiciário”.
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