Primeiro Círio ocorreu em 8 de setembro de 1793, no Brasil Colônia. A festa, que hoje reúne mais de 2 milhões de pessoas pelas ruas de Belém, era bem diferente. Os historiadores Aldrin Figueiredo e Márcio Neco contam características das primeiras procissões do Círio. Círio de 1917, publicada no jornal Estado do Pará na mesma época.
Acervo
Milhões de pessoas nas ruas, grande procissão no segundo domingo de outubro, várias romarias e trajeto que sai da igreja da Sé à Basílica. O Círio de 2023 tem elementos marcantes no imaginário paraense. Porém, a festa religiosa, uma das maiores do Brasil, nem sempre foi assim.
Segundo especialistas, o primeiro Círio ocorreu em 8 de setembro de 1793, no Brasil Colônia. A procissão foi instituída pelo então governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Maurício de Souza Coutinho.
Confira a página especial do Círio de Nazaré
g1 em 1 Minuto – Pará: Reportagem conta sobre o primeiro Círio de Nazaré em Belém
Devoção consolidada
O historiador e cientista da religião Márcio Neco explica que Francisco de Sousa Coutinho percebeu que no mês de setembro havia uma certa movimentação em uma ermida, uma pequena igreja, na área conhecida como Largo de Nazaré.
“O Círio é fruto de uma devoção consolidada do povo do Pará, que se dirigia até aquela pequena ermida para ali levar seus votos, fazer seus agradecimentos, fazer suas orações, suas súplicas”, afirma.
A ermida ficava em um local distante da parte urbana de Belém, que na época se restringia aos bairros da Campina e Cidade Velha.
Imagem original de Nossa Senhora de Nazaré, guardada atualmente no Glória da Basílica de Nazaré.
Paulo Santos / Acervo H / Panamazônica
Para o historiador Aldrin Figueiredo, o então governador aproveitou essa tradição e instituiu o Círio de Belém, em semelhança ao modelo do Círio de Nazaré, em Portugal.
A própria existência de uma peregrinação para o local onde hoje se encontra a Basílica Santuário também chamava a atenção de Francisco de Sousa Coutinho.
“Essa ideia do povo peregrinar até lá para realizar suas preces, seus agradecimentos, suas orações vai ser perceptível pelo governador”, diz Márcio Neco.
Primeiros trajetos
O percurso do Círio mudou bastante ao longo do tempo, afirma Aldrin Figueiredo. Segundo o historiador, naquela época a imagem da Santa saía da capela do Palácio do Governador, hoje Museu do Estado Pará, e vinha até a Ermida de Nazaré.
Já Márcio Neco vai dizer que no dia anterior, na Trasladação, o governador era quem ia buscar a Imagem na ermida e trazer para a capela do Palácio, para o Círio do dia seguinte.
Guardas de Nazaré em frente a Basílica Santuário, em mais uma procissão do Círio.
Revista Círio/1986
Inclusive, trasladação e Círio eram as únicas procissões da época. A primeira, quando a Imagem era trasladada da ermida para a capela do Palácio e a segunda, no dia seguinte, que fazia o sentido inverso.
“Em 1882, o bispo Dom Macedo Costa vai negociar com o governador para que a Imagem saísse da catedral da Sé. Isso simbolizava poder da igreja e também uma questão prática, já que a catedral conseguia comportar o maior número de fiéis do círio que crescia a cada ano”, explica Márcio Neco.
Aldrin Figueiredo acrescenta que a saída da Santa a partir da catedral da Sé simboliza o processo de separação da igreja e do Estado. Dom Macedo Costa queria estabelecer muitas regras para o desenvolvimento da procissão
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Público de 10 mil pessoas
O cientista da religião Márcio Neco afirma que há registros de que o primeiro Círio contou com a participação de cerca de 10 mil pessoas, além de ocorrer em um período do dia diferente do que é conhecido atualmente.
“A procissão era à tarde e é claro que o tempo fazia com que escurecesse nesse percurso, fazendo com que a imagem já chegasse de noite lá no então Largo de Nazaré. Numa Belém da época sem iluminação existia ali a utilização das velas”, diz.
Um dos Círios já no século XX, quando a berlinda cruzava rua Osvaldo Cruz, pela avenida Presidente Vargas.
Revista Círio/1986
E é justamente a utilização de velas que vem a origem do termo Círio. Etimologicamente, a expressão “Círio”, do latim cereus, significa uma grande vela de cera.
“Essa vela é associada ao Círio Pascal, a Luz da Páscoa e remonta a tradição dos Círios portugueses. Em Nazaré, Portugal, também existia o Círio. O Círio de Nazaré é um desses Círios e essa nomenclatura nós herdamos das tradições portuguesas”, explica Aldrin Figueiredo.
Círio em novembro? Sim
O tradicional segundo domingo de outubro do Círio também era outra característica diferente. Aldrin diz que antigamente o Círio ocorria em uma data móvel, às vezes em setembro, outubro ou novembro, e estava sempre associada à Festa de São Brás.
A Festa de São Brás, que ocorria após o Círio, também era uma procissão numerosa que saía da igreja das Mercês e seguia até São Brás.
E esta Festa foi um dos fatores para o estabelecimento de uma data fixa do Círio. “Para os dois festejos não ficarem muito paralelos, acabam colocando o Círio no segundo domingo de outubro, a partir de 1901”, afirma Márcio Neco.
Círio 2022: Fieis acompanhando a missa do Círio na praça Frei Caetano Brandão, em Belém
Marcus Passos/g1
Desde os primeiros Círios, o público participante vai abranger os diversos segmentos da sociedade belenense, como militares, governantes, clero e a sociedade.
“O Círio remonta um estilo de procissão medieval, na qual participavam as antigas confrarias religiosas, as pessoas do comércio, a elite governamental, seja judiciário, executivo, legislativo”, explica Aldrin Figueiredo.
O historiador Márcio Neco também entende o Círio de Nazaré como um evento agregador de todos.
“Podemos dizer que o primeiro o Círio unificou todas as classes sociais da cidade de Belém, que muitas das vezes viviam ali em conflitos”, destaca.
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Círio de Nazaré: primeiras procissões ocorriam à tarde, com público modesto e percurso diferente
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